Faleceu na manhã de ontem, dia 5 de fevereiro, Severino Cassiano da Silva, conhecido como Biu, artesão, pescador e último morador nativo expulso da Ilha de Tatuoca. O sepultamento foi realizado na manhã desta segunda-feira, no cemitério de Nazaré. No dia 4 de abril de 2016, Biu olhou pela última vez da janela de sua casa para as águas do rio Massangana. Na manhã daquele dia, o último morador da Ilha de Tatuoca foi forçado a assistir a demolição de sua casa, seu bar e de tudo o que era seu. Seu destino seria traçado pela mão criminosa e gananciosa do Complexo Industrial e Portuário de Suape, com a cobertura do Estado. Dezenas de homens armados, metralhadoras às claras, carros, tratores foram usados em mais esse ato de total desrespeito aos direitos daquele morador indefeso, no final deixaram apenas os escombros. Durante vários meses, seu Biu permaneceu em uma cama de hospital entre a vida e a morte. Nunca se recuperou de tamanha violência.
O falecimento de seu Biu foi antecedido pela morte do Sr. Luís Abílio da Silva, em dezembro do ano passado. Na época, com 83 anos, seu Abílio e sua esposa dona Maria Luiza da Silva, cinco anos mais velha, tiveram a casa derrubada no sítio do Engenho de Tiriri, no dia 22 de maio de 2013. Ao prestar um depoimento ao Forum Suape na época, cercado dos filhos e dos 18 netos, seu Abílio relembrou como tudo aconteceu. “Estava em casa com minha esposa, nora, filhos e netos quando a guarda chegou com o oficial de Justiça para nos retirar de lá. Eu estava sentado, fui retirado pelo braço. Minha nora com meu neto de 15 dias, também, foram obrigados a sair. A casa foi derrubada”. Seu Abilio acabou morrendo de tanto desgosto.
Estes são apenas dois casos, dos muitos que chegam quase que diariamente ao Fórum Suape contados por aquelas famílias que vivem o pesadelo que entrou em suas vidas sem pedir permissão. Dois casos exemplares que mostram a que ponto esta empresa estatal promove a destruição de vidas e sonhos.
Mais uma vez, denunciamos e questionamos o modelo de desenvolvimento que está por trás do Complexo Industrial e Portuário de Suape – CIPS, em Pernambuco, que comprova a cada dia o quanto ele funciona como uma usina geradora de violência e violações dos direitos humanos contra a população nativa e tradicional que habita aquela região. Esta é a realidade de Suape que não estamos acostumados a ver na imprensa ou nas propagandas oficiais de governos e eleitorais de candidatos.
Ao contrário, o que vemos é uma propaganda aos quatro cantos do mundo da empresa sustentável, que recebe inclusive prêmios internacionais. Porém, o CIPS mantém em sua estrutura interna uma Diretoria de Gestão Fundiária e Patrimônio cuja missão é desorganizar e destruir o mínimo de organização existente dos moradores, vulnerabilizando assim as reivindicações coletivas e a resistência as expulsões ocorridas em massa. Além disso, age com truculência, violência, assediando os moradores daquele território, tornando suas vidas insuportáveis.
Denúncias não faltam ao “modus operandi” do que se convencionou denominar de “milicias de Suape”. Quer através de boletins de ocorrência (mais de 90 desde 2010) subestimados pelo medo; quer pelos inúmeros depoimentos por aqueles e aquelas que sofrem no dia a dia com a presença da mão forte do CIPS e de seus algozes.
Ao contrário de ser uma empresa sustentável, como mostra a propaganda, o que se constata é que o CIPS não está nem aí com a vida. Gerador de tanto sofrimento deixa um rastro de doenças físicas e psicológicas, para além da destruição ambiental e de sonhos de milhares de trabalhadores que foram para Suape iludidos com promessas desenvolvimentistas e de melhoria financeira e material.
Para nós, do Fórum Suape é doloroso saber que uma pessoa como seu Biu, antes cheio de energia e esperança, tenha falecido dessa forma, longe da sua terra, privado da pesca, do rio e do mar. Mais uma vez, questionamos o CIPS, que sustentabilidade é essa que destrói e promove o desequilíbrio socioambiental? Que sustentabilidade é essa que, ao invés de preservar e proteger, mata?