Por CombateRacismoAmbiental, 06/12/2014
Fabíola Ortiz, O Eco
O sul da Bahia é palco de uma obra de infraestrutura que tira o sono de muitos baianos e também causa dor de cabeça a autoridades públicas e a empresários pelo volume de batalhas judiciais que promete gerar nos próximos meses.
O cerne é o Porto Sul, um terminal portuário que pode ser construído no litoral norte de Ilhéus, na Costa do Cacau, entre as localidades de Aritaguá, Sambaituba e Ponta da Tulha. O empreendimento está orçado em R$ 5,6 bilhões e, no pico das obras, deverá empregar 2.560 trabalhadores. Do outro lado, já suscitou pelo menos quatro pedidos de liminar para impedir o início das obras, além de uma nova ação ajuizada pelo Ministério Público Federal.
O complexo portuário está inserido no planejamento estratégico do estado da Bahia e corresponde ao extremo leste da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), que ligará o porto marítimo às regiões do oeste da Bahia e o Brasil Central.
O Porto Sul terá um terminal de uso público e outro privado. O primeiro tem previsão de operar com uma capacidade de exportação de 75 milhões de toneladas por ano e de importação de 5 milhões de cargas como – minério de ferro, clínquer, soja, etanol e fertilizantes. O terminal de uso privado será destinado à exportação exclusivamente do minério de ferro extraído pela Bahia Mineração (BAMIN).
Segundo o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto, “O Porto Sul foi concebido como um moderno porto em mar aberto (…) o que confere mais flexibilidade para aproximação das embarcações e para implantação de modernos equipamentos de carga e descarga ocupando o mínimo da faixa da orla“. Outro trecho exalta que o porto exercerá o papel de um dos mais importantes pólos logísticos do leste do Brasil.
“Belo Monte da Bahia”
A resistência contra o projeto decorre de que as obras impactarão diretamente um corredor ecológico de remanescentes da Mata Atlântica numa área de vocação turística e agrícola – especialmente pela cultura do cacau através da cabruca, técnica agroflorestal em que o cacau é cultivado sombreado por espécies arbóreas. O corredor liga o Parque Estadual da Serra do Conduru (criado em 1997 e com uma área de 9.275 hectares) e o Parque Municipal Boa Esperança, um hotspot de biodiversidade de 437 hectares localizado na zona urbana de Ilhéus, refúgio de espécies raras e santuário de água doce. Críticos já chamam o Porto Sul de “Belo Monte da Bahia”
“Estamos falando do que resta da reserva da biosfera da Mata Atlântica, de um local que é considerado a pérola. Lá tem um corredor que liga duas Unidades de Conservação integrais, uma municipal e outra estadual. Seria um desrespeito à vocação natural da região”, disse Maria do Socorro Mendonça, presidente do Instituto Nossa Ilhéus, uma ONG que luta contra a instalação do Porto Sul.
Segundo ela, a sociedade civil junto com o Ministério Público, desde 2008, exerce pressão e tenta provar a inviabilidade do projeto. O Nossa Ilhéus tem um levantamento de mais de 200 impactos que serão causados com a construção do porto.
Segundo o RIMA, identificou-se 36 impactos negativos para o meio biótico, dos quais 42 não são mitigáveis como, durante as obras de dragagem, afugentar e matar peixes e outros animais que vivem no fundo do mar, em especial os de baixa mobilidade. Além disso, consta também nesta lista perda de habitat da fauna, de habitat marinho de fundo consolidado, mortandade de crustáceos e larvas de insetos e peixes, e o risco de interferir no comportamento de golfinhos e baleias.
Na categoria de impactos sócio-econômicos, cerca de um terço dos impactos não é mitigável como é o caso da interferência na atividade pesqueira.
No entorno do empreendimento existem 9 Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), 3 Áreas de Preservação Ambiental (APAs), 2 Parques Municipais e uma Reserva Ecológica. Entre as unidades no perímetro de 10 km do Porto Sul, destaca-se o Parque Estadual da Serra do Conduru e a RPPN Salto do Apepique. De acordo com o RIMA, “a parte terrestre do empreendimento está totalmente inserida na área da APA da Lagoa Encantada e APA Rio Almada. A região está inserida no Corredor Central da Mata Atlântica, no mini-corredor do Conduru”.
“O porto está no maior ponto pesqueiro da região, onde existem cerca de 10 mil pescadores que vivem da atividade artesanal. No continente, só numa área de 437 hectares, existem 32 nascentes de água límpida brotando do solo”, afirmou Mendonça.
O Instituto Nossa Ilhéus foi uma das organizações convidadas para participar, em novembro no Rio de Janeiro, de um treinamento de líderes ambientais e climáticos promovido pelo Prêmio Nobel e ex-vice presidente americano Al Gore, o Climate Reality Leadership Corps Training.
Mega projeto
O Porto Sul será construído numa área de 1.865 hectares, 15 km ao norte de Ilhéus, e é divulgado como o maior investimento portuário em andamento no país. O empreendimento conjunto do estado da Bahia com a empresa Bahia Mineração (BAMIN ) dividirá as obras e as concessões do porto e conta com uma projeção de operar 100 milhões de toneladas anuais até seu 25º ano de funcionamento. A imprensa da Bahia publicou que os investimentos devem alcançar R$ 12,5 bilhões em 25 anos, somando o potencial de atividades do porto e o impacto na economia local.
Além de ser uma área turística, a região de influência do porto é bastante biodiversa. Segundo o RIMA, são encontrados remanescentes de florestas ombrófilas da Mata Atlântica, alguns dentro de UCs da região, como a APA da Lagoa Encantada e Rio Almada. Entre a flora desses fragmentos, destaca-se a sucupira, a maçaranduba, o arapati, a gindiba, os louros, o embiruçu, a juerana, a sapucaia e o jatobá. Nas áreas litorâneas, encontram-se estuários, manguezais, áreas úmidas e restingas.
O RIMA identificou 46 espécies de mamíferos nas áreas de influência do empreendimento, sem contar as 141 espécies de aves; 47 espécies de anfíbios em Aritaguá e; entre os mamíferos marinhos, as 5 espécies mais relatadas foram o boto, a baleia-jubarte, a orca, o golfinho-pintado-pantropical e a baleia-bicuda-de-Layardii.
“Mal poderíamos imaginar que alguns anos depois estaríamos do mesmo lado dos resorts aqui na região lutando contra um projeto em comum”, admitiu Gabriel Siqueira, gestor de projetos do Instituto Nossa Ilhéus, ao relembrar que um dos primeiros embates de ambientalistas no sul da Bahia foi contra a instalação de grandes hotéis na faixa costeira.
A BAMIN e o Pedra de Ferro
O Porto Sul se insere no Projeto Pedra de Ferro, um empreendimento mineral da Bahia Mineração (BAMIN), uma empresa com capital pertencente à Eurasian Natural Resources Company (ENRC), uma controversa empresa do Cazaquistão, com sede em Londres, e à suíça Zamin Ferrous, que tem atuação na África Ocidental, em países como República do Congo, Moçambique, Zâmbia e África do Sul.
Em novembro de 2012, a BAMIN obteve a licença ambiental para a instalação de uma mina de minério de ferro no município de Caetité, no sudoeste baiano. A concessão corresponde a uma Licença de Localização para o projeto batizado de Pedra de Ferro.
Caetité é um pequeno município de 46 mil habitantes localizado no sudoeste baiano, a 757 km de Salvador. A mina tem previsão para produzir cerca de 20 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.
A jazida mineral localizada no sertão baiano será interligada ao Porto Sul por trem, ao longo de mais de 400 km. Na chegada, será embarcada em um terminal privativo offshore. Os investimentos na construção do projeto mineral chegam a US$ 1,5 bilhão (cerca de R$4 bilhões). A execução do Projeto Pedra de Ferro tornaria a Bahia o terceiro estado do país em produção de minério de ferro – atrás de Carajás, no Pará, e do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais.
“O minério de ferro é poluente e espalha o pó de ferro, altamente tóxico e capaz de viajar com o vento quase 100 km. Faz mal à respiração, contamina a água e a agricultura, e pode, assim, prejudicar a produção de cacau”, disse Gabriel Siqueira. Os impactos tanto para a saúde da população quanto para o meio ambiente podem ser maiores do que a vida útil da própria mina de ferro, estimada em 15 anos.
Maria do Socorro Mendonça diz que o minério de ferro desta mina tem apenas 32% de pureza. “Ele é pobre, significa que de 1 bilhão de toneladas extraídas, só 320 milhões serão aproveitadas. O potencial da mina não é sustentável, sem contar que para transportar de ferrovia da mina para o porto fizeram um trajeto cortando tudo, sem se importar com as APAs, as cavernas e o povo, que estão no caminho”.
Realocação de moradores
“A área onde moro vai desaparecer do mapa porque o mar vai invadir”, lamentou o paulista Ismail Abéde, de 46 anos, que há cinco anos se mudou para o sul da Bahia e vive numa comunidade chamada Vila Juerana, litoral norte de Ilhéus. Ele e as cerca de 800 pessoas que vivem na vila serão desalojadas. “Segundo o próprio RIMA, uma erosão vai atingir 10 km ao norte do porto e o mar vai entrar para dentro do continente até 100 metros. Vai ser uma catástrofe”, disse Ismail.
Preocupado com os impactos sociais e ambientais deste complexo portuário, ele se tornou um ativista da associação de moradores da Vila Juerana contra as obras. A Licença de Instalação do porto foi emitida em 19 setembro deste ano, às vésperas das eleições presidenciais. O prazo para início das obras será de um ano e o limite para conclusão e operação comercial do empreendimento é 31 de dezembro de 2019.
Ismail lista os impactos à natureza: “A 4 km ao norte do porto tem um manguezal e uma boca de rio. A água do rio Almada vai ser usada para lavar minério, e esse rio liga a Lagoa Encantada ao mar. Também não vai sobrar nada do mangue que é um berço de vida. Estão simplesmente desconsiderando tudo isso”.
Em outubro deste ano, um grupo de ONGs publicou a “Carta de Ilhéus sobre o Porto Sul“, pedindo que se cancele o licenciamento.
Ismail continua: “Até onde entendo, o Estado pode desapropriar quando é para um bem maior coletivo e não em benefício de uma empresa privada internacional do Cazaquistão que foi expulsa da Bolsa de Valores de Londres por acusações de fraudes”. O diário inglês The Guardian, a Rede de Mineração Londrina (London Mining Network) e sites como Eurasianet escreveram sobre a expulsão da ENRC da Bolsa de Valores de Londres, em novembro de 2013, sob alegações de “fraude, suborno e corrupção”. O inquérito foi conduzido pelo Escritório de Fraudes Graves do Reino Unido (Serious Fraud Office).
Em setembro de 2012, a Rede de Mineração Londrina já havia publicado artigo “Pode a ENRC salvar a BAMIN?” (em inglês).
O outro lado
Através de sua assessoria de imprensa, a BAMIN informou a ((o))eco que a empresa não falaria á reportagem em razão de ausência do país de José Francisco Vieiro, seu presidente e único porta-voz.
A assessoria se limitou a enviar por email um comunicado sobre a concessão da licença de operação da mina em Caetité em 13 de junho de 2014 e sobre a sua operação atual, com capacidade reduzida de um milhão de toneladas/ano, até a conclusão das obras do Porto Sul. ((o))eco perguntou se a expulsão da ENRC da Bolsa de Valores de Londres impactará os empreendimentos da BAMIN no Brasil. A empresa não respondeu.
Segue a nota da companhia:
“A Bahia Mineração é uma empresa brasileira que, por meio de sua operação, contribuirá para o desenvolvimento social e econômico da Bahia e de sua gente. Para extrair, beneficiar, escoar e comercializar 20 milhões de toneladas por ano de minério de ferro, serão criados 6,6 mil vagas de empregos em Caetité – cidade do semi-árido – e em Ilhéus, município que há 20 anos vive contínuo declínio econômico por conta da crise da lavoura cacaueira.
A Bamin prevê investimento total de US$ 3 bilhões no Projeto Pedra de Ferro, que consiste na extração e beneficiamento de minério de ferro em jazidas nas cidades de Caetité, transporte desta carga pela Ferrovia de Integração Oeste – Leste (Fiol) e escoamento do produto via Terminal de Uso Privativo a ser construído no Complexo Porto Sul, em Ilhéus.”
Sobre o Porto Sul, a Secretaria de Estado da Casa Civil da Bahia informou a ((o))eco que foram estabelecidos 38 programas ambientais básicos para diminuir ou mitigar os impactos do empreendimento:
“Os estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA) foram intensamente discutidos com a sociedade e o órgão ambiental responsável, o Ibama, em cerca de 10 audiências públicas voltadas à informação e esclarecimentos quanto aos impactos. A maior compensação ambiental é a destinação de uma área de 1.702 hectares para uma unidade de proteção integral, a de Ponta da Tulha. Também há um programa de recuperação de áreas degradadas e matas ciliares e nascentes.”
O Programa de Compensação da Atividade Pesqueira foi apresentado às comunidades de pescadores da região. Estima-se que para a execução dos programas básicos ambientais o montante de recursos será da ordem de R$ 300 milhões.
Segundo o governo da Bahia, todas as famílias que serão impactadas diretamente estão no programa de desapropriação e reassentamento. O comunicado informa que as indenizações deverão começar a partir do 1º trimestre de 2015.