Por Edilson Silva
Presidente do PSOL-PE
Há poucos dias o filósofo esloveno Slavoy Zizek esteve palestrando no Recife. Optou por apresentar suas ideias utilizando-se de muitos “causos”. Um deles me chamou mais a atenção. Em visita à China, teriam lhe dito por lá que não existia crise global da economia, mas tão somente no Ocidente. Entendi que os chineses que trataram com ele não se referiam apenas à economia do mundo ocidental, mas também à sua democracia, pois a conclusão que Zizek apresentou – não concordando com ela, claro -, é que o bom andamento das economias dentro dos marcos capitalistas na contemporaneidade está diretamente vinculado a menos democracia e a mais centralização de poder.
O “novo” capitalismo num mundo supostamente pós-ideológico não precisaria de democracia para se legitimar, mas apenas de metas de crescimento econômico e quando muito de níveis razoáveis de emprego e renda. Nada de metas sociais, claro. Cada um que adquira a sua no mercado.
Na condição de segunda maior economia do planeta e com previsões de superar os EUA nos próximos 15 anos, talvez os chineses coloquem-se mesmo na condição de uma espécie de novo paradigma, sobretudo para um provável ex-triunfante modelo capitalista ocidental. As portas entreabertas já deixam entrar, de novo, seus primeiros filetes de ventos fascistas na Europa e nos EUA, vide Tea Party.
Não é difícil perceber que não há condições de sobrevida e novo ciclo de “estabilidade” ao capitalismo pós-crise de 2008 sem atacar brutalmente um catálogo de direitos que vão desde aqueles que remontam às Revoluções Americana e Francesa, que dão contornos ao conceito de República, passando pelos direitos sociais e trabalhistas, oriundos ainda do século XX, até os conquistados e em fase ainda de aquisição neste século XXI, como os direitos difusos, ambientais, e também os direitos na realidade virtual, como liberdade e privacidade na rede mundial de computadores.
Está claro, contudo, que há controvérsias nessas possibilidades do capitalismo global em tentativa de reciclagem. Recentemente, em janeiro de 2013, a China precisou interditar uma centena de fábricas na região de Pequim e retirar 30% da frota de carros oficiais das ruas, pois o ar estava irrespirável e os hospitais não conseguiam atender à demanda de pessoas com doenças respiratórias. Ou seja, impeditivos objetivos da natureza.
E também como falar em atrofiamento da democracia e direitos no exato momento em que a realidade virtual das redes sociais aponta um sentido inverso, de transparência, de controle social, de participação popular? As linhas que dividem os conceitos e mesmo as formas concretas do usufruto da democracia naquilo que ela se relaciona dialeticamente com a liberdade são quase imperceptíveis e, logo, se por um lado pode-se falar em desnecessidade da democracia na legitimação política de um modelo vigente, por outro a questão da liberdade de ação política é um princípio sem o qual nenhum modelo se legitima e nem se estabiliza politicamente nestes dias. Tempos de muito conflito se avizinham, então.
Fiz este percurso inicial para adentrar naquilo que vem acontecendo politicamente em Pernambuco e mais especificamente no Recife após a vitória de Geraldo Júlio (PSB) à prefeitura. Os desmandos brutais em Suape, com uma CPRH (Companhia Pernambucana de Recursos Hídricos, responsável pelos licenciamentos ambientais naquele território) completamente submissa e ajoelhada perante interesses econômicos; e o que vem acontecendo agora em Recife, com seus muitos viadutos e túneis, arranha-céus, mudanças bruscas na estrutura do Estado, infiltrações em outros poderes, grilagem de terras urbanas utilizando-se mapas do tempo do império, passando-se por cima de tudo e de todos, dão conta de imaginar que o suposto paradigma chinês esteja fazendo escola por aqui.
Com slogans rápidos e que exigem zero capacidade de abstração dos ouvintes, o governador e os seus vão desconstruindo a nossa democracia e construindo na opinião pública um modelo de gestão supostamente vitorioso, em que a democracia é absolutamente desnecessária. “Trabalho, trabalho e trabalho”, bradava o prefeito do Recife, ainda no andor do governador, quando de sua posse. “Recife tem pressa para entrar no ritmo de Pernambuco”, repetiam bovinamente vários vereadores antes da posse do novo prefeito, para aprovar projetos e autorizações prévias à futura administração, abrindo mão inclusive de prerrogativas do legislativo. “Geração de emprego e renda” é o mantra que mais justifica qualquer ação do poder público em parceria desavergonhada com o privado. Em meio à desconstrução da nossa ainda pouca cultura democrática e republicana, vai-se também aplicando um sofisticado programa de privatização na saúde, de abandono da educação pública e assédio moral brutal sobre os operadores da segurança pública. A meritocracia está no centro nevrálgico deste modelo, cumprindo um forte papel ideológico e colocando no universo do obsoleto conceitos como solidariedade e universalização de direitos e serviços públicos.
O governador Eduardo Campos parece não só orgulhoso de sua obra em construção (vai até lançar um livro sobre o seu modelo de gestão), mas também bastante consciente de seu papel e de seu potencial. Desde 2011 vem pavimentando o caminho para ser o preferido das maiorias artificiais no Brasil pós Lula. Mais slogans: “Um novo caminho para um novo Brasil”. “O Brasil pode mais!”. Só falta dizer, e dirá: O Brasil precisa entrar no ritmo de Pernambuco! É candidatíssimo à presidência, tem pressa, e sabe que só tem chances de “fazer bonito” se adquirir a confiança dos grandes conglomerados empresariais nacionais e internacionais, que por sua vez sabem que para sobreviver enquanto tal precisam ingressar no modus operandi chinês.
O governador de Pernambuco viu e vê esta vaga aberta ao perceber um PT incapaz de encabeçar a tarefa de reciclagem além da epiderme do capitalismo brasileiro, incapacidade pela natureza histórica e base social deste partido. Neste sentido, o PT já está praticamente batendo no teto em sua capacidade de enfrentamento com sua bonita história antes de chegar ao Planalto Central, já fez seu melhor na manutenção estrutural do status quo. E o governador e presidente nacional do PSB também percebeu a absoluta falta de viabilidade eleitoral do PSDB no curto prazo, tanto pela percepção da opinião pública de que o PSDB é uma velha direita que fez oposição visceral a governos que trouxeram sensação de bem estar e de mobilidade social para amplas parcelas sociais, mas também porque seu melhor candidato, Aécio Neves – que também já percebeu a natureza autoritária que o capitalismo precisa assumir para se reinventar e ter novo impulso no Brasil -, não possui uma biografia pessoal adequada para manejar os setores conservadores que precisarão ser parte da base social fundamental de sustentação deste potencial novo regime, ou seja, uma nova e também reciclada direita.
Ter bem claro o papel e o alcance das estratégias que tem nosso Estado e nosso município como laboratório neste processo é condição sine qua non para levarmos adiante uma resistência popular coerente e uma acumulação política na direção correta. Não se trata de fazer apenas “oposição por dentro destes governos”, como tentam ingenuamente ou malandramente alguns; nem de se circunscrever a lutas pontuais ou meramente eleitorais, pois este novo paradigma em gestação poderá mesmo lidar com práticas supostamente libertárias pulverizadas e sem perspectiva real de instalar um outro conceito de poder público. Há que se combater implacavelmente este conceito essencialmente e inescapavelmente autoritário por um lado, e construir firmemente por outro uma alternativa política a isto, pela esquerda, socialista e contra este capitalismo selvagem que se agiganta ante nosso nariz. Sem isto, podemos correr o risco de ficar como que atirando pedras na lua, sem transformar nossa saudável rebeldia, nossas energias e nossa consciência em ação transformadora da realidade.