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SUAPE

SUAPE, TRINTA ANOS DEPOIS

Por Clovis Cavalcanti 
Economista e pesquisador social

No dia 5 de junho corrente fui ao local do porto de Suape para dar uma palestra na Transpetro alusiva ao Dia do Meio Ambiente. Era a primeira vez em vinte anos que ali voltava. Não podia imaginar a amplitude das mudanças que o lugar experimentara com a construção de instalações portuárias e industriais. Conheci toda aquela área de beleza tão especial muito antes de ser concebido o projeto do porto e com ela me familiarizei ao longo de muitos passeios agradáveis. Lembro-me não só da praia e do mangue, mas também de muitos e muitos sítios com fruteiras de todo tipo ali existentes. Suape e o espaço ao seu redor, na verdade, eram fontes importantes de abastecimento de frutas da região metropolitana do Recife. Aprendi sobre isso num trabalho que fiz para a Sudene em 1971 acerca do funcionamento da Ceasa. Pelas informações disponíveis, era de Suape que procedia a maioria dos cajus, mangabas, mangas, cajás, sapotis, jacas e muitas outras frutas que os recifenses tanto apreciavam. O acesso a Suape era difícil, com estradas que ficavam intransitáveis no inverno. Mas isso nunca foi impedimento para que, com minha família, eu fosse ali regularmente. Topei muitos atoleiros, andei com o carro dentro d’água várias vezes, nos enlameávamos: aventuras que valiam a pena. Devido ao bem-estar que me causava esse turismo ecológico, com potencial grande para os amantes de passeios não-convencionais – importante fonte de renda, por exemplo, na Costa Rica –, combati o projeto de Suape. Fui líder, meio sem querer, de um grupo de cientistas pernambucanos que, em abril de 1975, lançou um manifesto chamando a atenção para os custos ambientais da obra que então era apenas uma idéia.

Trinta anos depois, constato que as advertências que fazíamos no manifesto – além de mim, o economista Renato Duarte, o sociólogo Renato Martins e os insignes falecidos Nelson Chaves, José Antonio Gonsalves de Melo, Vasconcelos Sobrinho e Renato Carneiro Campos – estão todas confirmadas. Na ocasião em que o manifesto foi lançado, os defensores do projeto, que incluíam políticos a favor e contra o regime militar, não perdoaram os subscritores do documento. Alegavam que nada do que falávamos fazia sentido, que o porto não iria destruir o meio ambiente. E que se justificava, no dizer do responsável no governo do Estado pela iniciativa, o então secretário Anchieta Hélcias, em suas próprias palavras (estão no Diário de 8.5.75), porque “Suape extinguirá a miséria” (sic). Ainda tentamos, num segundo manifesto, por essa época, alertar para o fato de que dizer “que a obra não vai destruir a paisagem, nem o sítio histórico, tampouco comprometendo o equilíbrio ecológico do litoral sul pernambucano, equivale a” um absurdo. Acrescentávamos: “quem garante… que a remoção de terra, os aterros inevitáveis, a escavação do porto, o lançamento mais tarde de detritos… não alterará de forma radical e definitiva o panorama que circunda Suape atualmente?”

Pois foi isso exatamente o que aconteceu. A paisagem atual de Suape é desoladora. Trata-se de uma área sem beleza, sem vegetação agradável, sem construções elegantes. Com mangues destruídos, a silhueta dos arrecifes esplêndidos que ali havia radicalmente alterada, as fruteiras banidas. Na verdade, Suape mais parece uma base militar de feição horrorosa. Entre minha chegada à cancela da entrada no perímetro do porto e meu ingresso nas instalações da Transpetro, levei 30 minutos. Fui fichado, fotografado, mandado esperar. O número de meu notebook teve que ser anotado Confesso que, em julho de 1970, foi mais fácil vencer as barreiras de arames farpados, baionetas caladas e carros de combate para entrar um dia às 21h na sede a Oban (centro da repressão do regime militar em São Paulo), à procura de meu irmão Cláudio, ali detido. Bom, Suape é vítima de uma regra imposta pelo governo norte-americano, explicaram-me, depois do 11 de Setembro. Tudo bem. Mas a sensação que se tem em Suape não engrandece. Pior: contou-me o motorista que me conduziu ao local que uma senhora que trabalha na cozinha do restaurante da Transpetro, moradora, quase diria “secular”, da região, pois ali vive com seis filhos e muitos netos desde que se entende de gente, está desesperada porque vai ter que sair do lugar. É que os interesses maiores da nova refinaria que vai para Suape impõem essa solução embrutecida. Desastre ambiental, desastre humano – quanto custa o “progresso”?

Artigo de opinião publicado no Diário de Pernambuco (21.6.2007)

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