Fundação Joaquim Nabuco & Universidade Federal de Pernambuco
Recife, setembro de 2007
Toda atividade humana, qualquer que seja ela, incide irrecorrivelmente no ecossistema quer pelo lado da extração de recursos (caso em que a natureza funciona como fonte), quer pelo do lançamento de dejetos sob a forma de matéria ou energia degradada (caso em que o meio ambiente atua como cesta de lixo). Percebido desse ângulo, é evidente que o processo econômico – que opera dentro de um subsistema aberto envolvido pelo ecossistema global – tem que respeitar limites (quer os do fornecimento de recursos, quer os da absorção de dejetos, além dos da própria tecnologia). Daí, a noção de desenvolvimento sustentável: trata-se de promover a economia (e o bem-estar dos humanos) sem causar estresses que o sistema ecológico não possa assimilar.
Na perspectiva da sustentabilidade ambiental, o tipo de processo econômico que importa é aquele que produz bens e serviços levando em conta simultaneamente todos os custos (ou males) que lhes são inevitavelmente associados. Um olhar para as interconexões evidentes do sistema econômico com o ecológico, sem isolar um do outro, permite perceber de que modo é possível chegar-se a um mundo (sustentável) onde a vida não se veja ameaçada de extinção (nem seja considerada como uma externalidade). Esta é a tarefa para um modelo de desenvolvimento novo, muita vezes considerado utópico, que estamos chamando – por cortesia dos ecólogos, de quem se tomou emprestada a noção – de sustentável. É tarefa também para uma ciência da economia de fundamentos ecológicos.
No âmbito da realidade dos processos naturais, que oferece a moldura última que abriga a economia, só pode durar para sempre aquilo que se comporta de acordo com os princípios de funcionamento do sistema natural (dentre os quais desponta o da frugalidade).
Dá-se ao tema da sustentabilidade, muitas vezes, porém, um significado que contradiz sua própria essência, transformando-o em autêntico oximoro (como, com mais razão, na infeliz expressão “crescimento sustentável”). Ou seja, passivo ambiental crescente e sempre mais infelicidade humana. Crescer, na perspectiva da macroeconomia, é sempre possível (além de desejável), embora a teoria microeconômica mostre que o ótimo da produção impõe limites ao crescimento de uma firma – fixando a escala que satisfaz às regras da maximização do lucro. Por que o mesmo não deveria valer para economias nacionais, regionais ou estados e cidades? Será que, do ponto de vista das grandes economias, como inclusive a global, qualquer escala serve?
A preocupação quanto aos problemas ambientais mundiais, na verdade, pede mais do que a economia pode oferecer. Precisa-se, de fato, de indicadores econômicos – ou ecológico-econômicos – que incorporem estimativas de degradação ambiental (e também humana) e depleção de recursos: indicadores de desenvolvimento sustentável. Estes teriam que ser obtidos subtraindo-se do PIB o valor estimado dos recursos naturais esgotados e degradados (áreas florestais em diminuição, erosão do solo, mangues cortados para a criação de camarão, jazidas minerais que se esgotam, etc.).
O sistema de contas nacionais contabiliza corretamente a depreciação do capital feito pelo homem (máquinas, fábricas) como um item do balanço negativo na determinação da renda nacional, mas deixa de considerar a depreciação ou depleção do capital natural (árvores, minerais, solo, água). O consumo de tais ativos é contado como renda, o que faz com que a verdadeira renda nacional seja assim sobreestimada. Dessa forma, o desempenho econômico de um país ou região, em determinado período, pode aparecer, por exemplo, com uma robustez medida pelos critérios econômicos usuais que é totalmente falsa.
O Brasil, com sua multiplicidade de projetos de carcinocultura, turismo, resorts, loteamentos, expansão urbana, estradas costeiras, uma refinaria de petróleo em Pernambuco (Suape), hidrelétricas na Amazônia e muitos outros serve de triste ilustração de um desenvolvimento desordenado que tem efeitos destrutivos sérios (muitos deles humanos) inteiramente ignorados – ao mesmo tempo que apenas as virtudes dos projetos são decantadas e louvadas de todas as maneiras, até mesmo em propaganda oficial.
Quando se atribuem preços aos recursos naturais – o que acontece com aqueles que têm mercado como o petróleo –, tais valores constituem invariavelmente uma subestimação. Na contabilidade econômica nacional tradicional, um valor zero é implicitamente conferido a todos os recursos da natureza, dando-lhes a condição de “bens livres”.
O perigo de atribuir-se valor monetário a bens e serviços ecológicos é tanto de levar, por um lado, a que se acredite que eles valem aquilo que os cálculos mostram, quanto de fazer pensar, por outro, que ativos naturais possam ser assim somados a ativos construídos pelos humanos (ambos referidos à mesma base em dinheiro), tornando-os substituíveis. Na essência do conceito, porém, a sustentabilidade ecológica deve ser vista como manutenção de estoques físicos de capital natural, não a de seus correspondentes valores monetários.
Encarando o processo econômico sob tal ótica, uma economia ecológica implica mudança fundamental na percepção dos problemas de alocação de recursos e de como eles devem ser tratados, do mesmo modo que uma revisão da dinâmica do crescimento econômico. Para tentar enfrentar essa realidade, o campo de trabalho, para ser relevante, deve basear-se em hipóteses e teorias compartilhadas por um conjunto amplo de profissionais, como uma empreitada (ou cometimento) entre cientistas naturais e sociais, junto com os atores sociais envolvidos em ações concretas de promoção do desenvolvimento. Assim pode-se chegar a novo entendimento da realidade humana, tirando dele lições para fins de análise e política.
Um novo entendimento dessa ordem deve incorporar referências como a da abordagem sistêmica (systems approach) ou teoria geral de sistemas; como a das matemáticas não-lineares; como a da termodinâmica de não-equilíbrio (non-equilibrium thermodynamics); como a da economia como uma ciência da vida. Requer-se, com efeito, uma compreensão profunda da forma como a atividade econômica depende de processos biogeofísicos, com os feedbacks que existem entre uma e outros.
Tudo isso vai conduzir à discussão do problema da sustentabilidade das interações entre
sistemas econômicos (humanos) e ecológicos, o que impõe a necessidade de uma visão holística – uma visão que vá além das fronteiras territoriais normais das disciplinas acadêmicas.
A necessidade de informação sobre interações entre a economia e o ecossistema tem como finalidade derradeira a identificação de políticas capazes de mitigar os impactos destrutivos sobre o ambiente de medidas para a realização do bem-estar social. Ou seja, em última análise, o sentido de uma economia ecológica é o de uma economia política da ecologia.