A crise ambiental contemporânea
Marcos Costa Lima é professor do Departamento de Ciência Política da UFPE, pós-doutorado na Université Paris XIII e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI. Atualmente coordena o Instituto de estudos da Ásia/UFPE
A responsabilidade sobre as condições de vida na Terra cabe a todos nós, mas sobretudo aos países ricos, seus governos e grandes corporações
por Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais — publicado 03/09/2015are
Olivia Nachle / Avaaz
“Para mudar o mundo precisamos de todos”, diz projeção no Cristo Redentor em 19 de setembro de 2014, para lembrar a luta mundial contra o aquecimento global
Grandes alterações na estrutura e função dos sistemas naturais da Terra representam uma ameaça crescente para a saúde humana e para a vida em geral em nosso planeta. Através de uma insustentável exploração de recursos naturais e humanos a civilização floresceu, mas agora corre o risco substancial, pelos efeitos da degradação, de não garantir o apoio da natureza à vida, no médio e longo prazo.
Os efeitos nocivos para a saúde humana por conta das mudanças no ambiente são muitos e graves: as mudanças climáticas; a acidificação dos oceanos; a degradação dos solos; a escassez de água; a sobre-exploração da pesca e a perda de biodiversidade; o acúmulo de lixo tóxico inclusive resíduos nucleares; a redução das florestas e a poluição dos rios; as secas mais longas em várias partes do mundo. Tudo isso representa um sério desafio para a humanidade.
Segundo especialistas, estas tendências, que são de grande impacto, têm ocorrido, sobretudo, pelo paradigma estabelecido no capitalismo dominante, com a cristalização de um padrão de consumo, e de utilização de recursos naturais, altamente predatórios, com o agravante de uma população em crescimento, que deve atingir os 8,3 bilhões de habitantes em 2030 (O Brasil terá 223 milhões de habitantes no mesmo período).
A Comissão Lancet sobre a saúde do planeta identificou três categorias de desafios que têm de ser enfrentadas se se quiser manter e mesmo melhorar a saúde humana, em face das tendências ambientais cada vez mais danosas. São elas:
1) a tendência em se confiar excessivamente no crescimento do Produto Interno Bruto como medida de progresso humano e o fracasso em explicar os futuros danos, sob o aparente manto de ganhos nos dias de hoje, além do efeito desproporcional destes danos sobre as populações pobres e as nações em desenvolvimento, que não têm capacidade de se preparar para futuras catástrofes;
2) Falhas de conhecimento (de pesquisa e de informações fidedignas), uma histórica ausência de transdiciplinaridade no entendimento do problema, juntamente com uma falta de vontade ou incapacidade de lidar com a incerteza por parte dos governos na hora da tomada de decisões.
3) Falhas de implementação (desafios da governança), tais como o modus operandi de governos e instituições que retardam o reconhecimento e as respostas às ameaças, especialmente quando confrontado com incertezas, falta ou mesmo preterimento de recursos, considerando a questão ambiental não prioritária, além das defasagens entre o agir e seus efeitos.
As políticas deveriam buscar um equilíbrio entre progresso social (bem-estar), sustentabilidade ambiental e economia. Aí se encontra o grande dilema, uma vez que, sejam os governos, sejam as grandes corporações, estabelecem como prioridade a situação da economia, com um viés estreito, onde mais vale o funcionamento dos grandes conglomerados, bancos e multinacionais, e não o bem-estar geral.
Para abrigar uma população mundial que ultrapassa os 8 bilhões de pessoas será necessário alterar o sistema agrícola, privilegiando a pequena e média agricultura e não o agribusiness. A estrutura agrária mundial precisa de alterações rápidas e constantes, no sentido de redução dos latifúndios. Só assim os sistemas agrícolas podem enfrentar a desnutrição e mesmo a supernutrição, hoje ocorrendo não apenas nos países ricos, em função de uma alimentação processada em excesso. A agricultura é também um setor capaz de criar empregos e compensar o desemprego tecnológico.
Reduzir o desperdício, diversificar dietas, sobretudo diminuindo o consumo de carne bovina e minimizar os danos ambientais. Mas há que se cuidar também da educação, que dá maior condição aos mais pobres de entenderem o que está em jogo, e de lutarem por seus direitos. Os ganhos em alimentação saudável e orgânica se refletirão em ganhos em saúde, mas não dispensando os investimentos em médicos e hospitais, sobretudo numa visão preventiva.
Os dados apresentados pela Comissão Lancet são otimistas no tocante aos avanços na saúde humana. Eles afirmam que, hoje, estes dados são melhores do que em qualquer outro tempo da história. A expectativa de vida elevou-se dos 47 anos em 1950–1955, para 69 anos entre 2005–2010. A taxa de mortalidade em crianças menores que cinco anos decresceu substancialmente em escala mundial, de 214 por mil nascimentos em 1950–1955 para 59 em 2005–2010.
A extrema pobreza vem decrescendo nos últimos 30 anos, em que pese o crescimento no total da população nos países pobres de cerca de 2 bilhões. O relatório diz ainda que “esta redução da pobreza tem sido acompanhada por avanços sem precedentes na saúde pública, cuidados de saúde, educação, legislação de direitos humanos, e desenvolvimento tecnológico, que trouxe grandes benefícios, ainda que de forma desigual, à humanidade”.
Mas o relatório não contempla os aumentos das desigualdades, em escala planetária, tanto nos países do centro quanto naqueles da periferia. São muitos os estudos recentes que vêm chamando a atenção do problema, sobretudo desde os anos 1980, quando instalou-se mundialmente as prerrogativas do neoliberalismo e do Consenso de Washington.
O próprio PNUD já anunciava em estudo que por mais de 200 anos as desigualdades econômicas globais têm aumentado. No início da revolução industrial, as diferenças de renda per capita entre a Europa Ocidental e a periferia não ultrapassava 30% (Bairoch, 1981). Em 1820, a renda per capita dos países mais ricos era 3 vezes maior do que os mais pobres. Em 1870, foi 7 vezes; em 1913 era 11 vezes maior e em 1960, 30 vezes mais. Em 1997, um quinto da população mundial que vive nos países mais ricos era 74 vezes mais rica que o um quinto da população nos países mais pobres.
Segundo o Global Wealth Report 2014, realizado pelo banco Credit Suisse, a parcela de 1% da população adulta mais privilegiada detém praticamente metade …. Portanto, a desigualdade no mundo está aumentando e isso representa um estímulo à recessão, muito embora a riqueza global das famílias no mundo tenha aumentado 8,3% em um ano, atingindo um novo recorde: US$ 263 trilhões em 2013, mais do que o dobro da riqueza registrada no ano de 2000, que era de US$ 117 trilhões. Os números são chocantes, quando sabemos que 8,7% das pessoas adultas concentram 82,1% da Riqueza Mundial, ao passo que 91,3% das pessoas adultas concentram 17,9% da riqueza mundial.
Em Paris, dezembro de 2015, ocorrerá a XXI Conferência Internacional sobre a Mudança Climática (COP 21). Muito se tem especulado sobre os possíveis resultados, que vão do maior pessimismo a um otimismo que não tem muita justificativa. José Ramos Horta, prêmio Nobel da paz em 1996 e ex-presidente do Timor Leste, chama a atenção para a gravidade do problema, quando um novo informebaseado nos estudos de 413 cientistas de 58 países, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos Estados Unidos concluiu que 2014 foi o ano mais quente da história.
O contundente informe evidencia as tendências e as mudanças do sistema climático mundial, a exemplo dos vários tipos de gases de efeito estufa, das temperaturas na atmosfera, nos oceanos e na terra, no nível do mar, a redução na extensão do gelo marinho entre outros fenômenos graves. Muitos cientistas já consideram a mudança climática irreversível.
São muitos os problemas e questões a serem enfrentadas na COP21, como a reafirmação do multilateralismo, enquanto espaço coletivo de tomada de decisões; sobre qual será o novo instrumento jurídico vinculante, que sob a Convenção deverá ser aplicável a todos os signatários. Qual será o conteúdo do novo acordo do Clima a entrar em vigor em 2020? O que cada país será responsável a implementar até 2020?
O documento elaborado em Lima, na COP 20, muito criticado, reafirmou o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. O texto base, que ainda deverá ser assinado, inclui temas operacionais decisivos como mitigação, adaptação, financiamento, transferência de tecnologia, capacitação e transparência para ações e para o apoio.
Outra questão preocupante é a compensação das emissões, que implica que o mundo (leia-se, os países ricos) possa continuar emitindo gases de efeito estufa desde que exista uma forma de os “compensar”. O que torna iníquas as medidas concretas de redução das emissões. O Fundo Verde do Clima, que foi aprovado desde 2010, com um fundo que seria de US$ 100 bilhões anuais de2013 a 2020, ficou sem efeito e só em 2014 passou a receber recursos muito aquém do estabelecido, num valor de US$ 10 bilhões, aportados por 29 países, desenvolvidos e em desenvolvimento.
Ainda questões como o uso da terra, a agricultura climaticamente inteligente, a Cúpula dos Povos e as mobilizações da sociedade civil global para o enfrentamento do problema, estarão em pauta.
Em tempos de crise estrutural como a que vivemos, a responsabilidade sobre as condições de vida na Terra cabe a todos nós, mas sobretudo aos países ricos e seus governos, suas grandes corporações, que não apenas são os maiores predadores dos ecossistemas globais, mas que têm de fato as condições objetivas para enfrentar a tragédia. Karl Polanyi nos ensinou que “permitir que o mecanismo de mercado seja o único dirigente do destino dos seres humanos e do seu ambiente natural (…) resultaria no desmoronamento da sociedade”.
O estado do planeta em que vivemos está ameaçado. Já é tempo de medidas que não sejam apenas paliativas, já é tempo de virar a página de um paradigma obsoleto.
Marcos Costa Lima é professor do Departamento de Ciência Política da UFPE, pós-doutorado na Université Paris XIII e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI. Atualmente coordena o Instituto de estudos da Ásia/UFPE