Depois de denunciar um suposto esquema de simulação de processos judiciais na comarca do Cabo de Santo Agostinho para desvio de recursos públicos da empresa Suape, tendo como instrumento recorrente acordos de reintegração com posseiros de terras na área do complexo, a advogada Conceição Lacerda, que defende diversos posseiros na região de Suape, em sua saga para chamar atenção para problemas fundiários no Cabo e em Ipojuca, denunciou, ao Blog de Jamildo, que a empresa Suape beneficiou o fundo de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal (Funcef) com a cessão de uma área de 117 hectares, de forma irregular. Pelo prazo de 99 anos.
“Suape deu uma área de 117 hectares de mão beijada à Funcef. A contrapartida era a empresa chamada Prefasa restaurar os monumentos históricos e fazer a manutenção e conservação dos prédios públicos existentes no parque Armando Holanda Cavalcanti e isto nunca foi feito. A gestão de Suape não podia ter dado a área. Não há interesse público. O que há é interesse imobiliário. O objetivo era enriquecer a Funcef? O favorecimento da empresa não podia ocorrer, além do mais, porque a área foi repassada para a Cooperativa Agrícola do Tiriri, pelo Incra, na década de 80, depois de haver sido desapropriada para fins de para reforma agrária”, declara a advogada..
De acordo com as informações levantadas pela advogada, nos autos dos processos, por meio de uma empresa denominada Prefasa, depois sucedida por outra Caribe Empreendimentos, e, posteriormente, pela Ipojuca Empreendimentos e Participações Ltda, o objetivo da cessão das terras seria a construção de um campo de golfe e bangalôs e outros equipamentos turísticos, ao lado de onde o grupo previdenciário Funcef já havia construído, anos antes, o hotel Caesar Park. Na empreitada inicial do hotel, a Funcef contou com a consultoria do falecido empresário Wilson Campos Júnior, irmão do ex-senador Carlos Wilson Campos, ex- presidente da Infraero no primeiro governo do presidente Lula.
A querela judicial começou quando a Funcef entrou com uma ação de reintegração de posse contra o posseiro Marciano Justo da Silva, hoje com 94 anos, que ocupava uma área de 20 hectares adjacente ao hotel resort, correspondente aos dois lotes de 10 ha que foram destinados a ele e à família de sua esposa, desde a década de 60. Marciano Justo é um dos diversos agricultores beneficiados com as ações do Incra da década de 60, antes mesmo da época que Suape foi criado pelo governo do Estado (78).
A disputa em questão começou em 2007, primeiro ano da gestão Eduardo Campos. Sem solução na primeira instância, no Cabo, Suape e Funcef recorreram e o caso subiu para a segunda instância, no TJPE.
O magistrado Fernando Cerqueira, relator em uma das turmas do TJPE, votou pela incompetência da Justiça estadual, mas foi voto vencido (os outros dois desembargadores votaram contra). No final do julgamento, um acordão determinava que o processo voltasse para a vara de origem. no Cabo. O caso está agora na 3ª Vara da Justiça Federal.
No final do ano passado, mais precisamente 10 de novembro de 2014, os autos do processo foram encaminhados para o TRF5. O desembargador Rogério Fialho mandou que os autos fossem distribuídos para uma das varas federais. No dia 17 de dezembro de 2014, o juiz Frederico José Pinto de Azevedo, da 3ª Vara Federal, concluiu pela competência da Justiça Federal, ao reconhecer o direito do Incra sobre as terras na ação.
Vai começar tudo de novo.
Caso o entendimento prospere, por analogia, as mais de mil ações de reintegração de posse promovidas por Suape podem ser declaradas nulas, já que em todas elas em tese sido ignorado o interesse do INCRA, o que deslocaria a competência para a Justiça Federal.
“O Incra foi passado para trás pela venda dos imóveis para o porto de Suape, por meio de uma venda realizada pela Cooperativa Tiriri. Suape comprou de quem não podia vender. As terras são do Incra”, sustenta a advogada.
Em uma carta pública divulgada no dia 26 de fevereiro, no Recife, o Fórum Suape Sócio-Ambiental, fazendo referência reunião com posseiros em novembro do ano passado na OAB, reitera acusações de que Suape pratica abuso de poder econômico e fala em corrupção envolvendo a empresa e a existência de tráfico de influência no poder Judiciário de Pernambuco, segundo a instituição, usado para legitimar os atos supostamente ilícitos praticados pelos gestores da empresa Suape. No documento, reclamam ainda de omissão do Ministério Público de Pernambuco.
A polêmica envolvendo ações de reintegrações de posse ajuizadas pela empresa Suape é antiga e bastante complexa.
“Reconhecemos que o porto é um mal necessário. O que nos brigamos é para que haja o reconhecimento de que a escritura usada por Suape para repassar as terras dos posseiros para as empresas do complexo foi obtida de forma espúria. Todo o dinheiro que Suape recebeu tem que ir para os verdadeiros donos das terras, que é o Incra. Um dos problemas desta luta é que Suape não fez licitações para dar essas terras e não se conhece o valor”, afirma a advogada.
“O bem público é indisponível. Não se pode abrir mão dele. O porto de Suape contou, durante anos, com a cumplicidade do poder judiciário de Pernambuco, mas a Justiça Federal acabou de reconhecer que o Incra tem direito a ser discutido na causa. O TRF5 mandou o processo para a primeira instância e por distribuição o processo foi parar na 3ª Vara Federal julgar o caso. O juiz federal reconheceu a competência da Justiça Federal para julgar o feito, em razão do interesse do Incra. Se o nosso bom direito for confirmado, na Justiça Federal, isto significa que as mais de mil e duzentas reintegrações de posse feitas no plano estadual são nulas”, diz.
“Eles (Suape) e o Incra local mentem descaradamente. Quando são questionados, afirmam que os decretos de desapropriação do Incra perderam a validade com um decreto de Geisel de 1978 (82.899). Só que também este decreto foi revogado em 15 de fevereiro de 1991. Além disto, há documentos internos de Suape, com timbre oficial, reconhecendo a propriedade do Incra”, diz.
A base de toda polêmica é um título de propriedade expedido pelo Incra em 22 de julho de 1980, assinado pelo presidente da entidade e o agricultor Manoel Alves da Silva, então presidente da cooperativa Tiriri. Com o ato oficial, o governo Federal repassava para os posseiros o título de propriedade em uma época que a pressão no campo era bastante elevada. O projeto era ajudado pela Sudene, que fez o levantamento da área e dos beneficiários. O documento do Incra previa que o domínio ou a posse dos imóveis seriam revertidos ao órgão, em caso de descumprimento do uso, previsto numa cláusula resolutiva. Em 24 de julho de 1980, curiosamente, já havia uma escritura pública assinada pela cooperativa Tiriri vendendo as terras dos agricultores para o porto de Suape, sem a interveniência do Incra. Na peça, o tabelionato do Cabo tem o cuidado de registrar que não foi apresentada certidões do Incra sobre a propriedade.
Pressão na OAB
Em novembro do ano passado, a OAB chegou a realizar uma audiência pública com os moradores das áreas de Suape, que foram justamente pedir apoio da OAB-PE para os casos de desapropriação suspeitos de irregularidade. No evento, um dos conselheiros da OAB, ; o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Casa, João Olímpio Mendonça, chegou a afirmar publicamente que estaria ocorrendo violações dos direitos humanos. Veja aqui.
Em 26 de fevereiro deste ano, quatro entidades, capitaneadas pelo Fórum Suape Sócio-Ambiental, Comissão Pastoral da Terra e MST, divulgaram uma carta aberta cobrando uma posição oficial do presidente da Ordem, Pedro Henrique Reynaldo Alves, depois da audiência pública.
“No caso da OAB, o problema de Pedro Henrique é que ele está agindo mais como procurador do Estado e menos como presidente da entidade, que tem como uma de suas missões defender os interesses difusos, defender o interesse público”, acredita.
O principal pleito do grupo de militantes é pedir que a OAB entre, em Brasília, com uma ação declaratória de nulidade, considerando que, apesar de passado tanto tempo desde os primeiros atos de desapropriação, o caso não prescreve.