Cabo de Santo Agostinho, 26 de outubro de 2016.
Ao Excelentíssimo Governador de Pernambuco Senhor Paulo Câmara
Assunto: CARTA DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DO CABO E DE IPOJUCA ATINGIDAS EM SEU TERRITÓRIO PELO COMPLEXO INDUSTRIAL PORTUÁRIO DE SUAPE
Excelentíssimo Sr.º Governador,
Nós, movimentos sociais, associações de moradores, agricultores e pescadores, entidades de classe, organizações e entidades da sociedade civil, viemos expor a realidade cotidiana de violações de direitos humanos a que estão submetidas as comunidades tradicionais dos municípios do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca afetadas pelo CIPS.
Governador Paulo Câmara, as famílias residentes na área vivem nas terras há gerações; construíram laços comunitários, costumes, cultura local; vivem da terra, do mar, do rio e do mangue, numa relação de simbiose, na qual a preservação do meio ambiente é também condição de sobrevivência física, social e cultural da própria comunidade; alimentam a si, o entorno e a cidade com os produtos da terra e da pesca.
Essas mesmas famílias, estabelecidas, enraizadas, vêm sofrendo, contudo, sistemáticas violências por parte de um mega empreendimento administrado pelo Estado de Pernambuco, que não apenas as nomeia cinicamente de “invasoras”, como também se utiliza de seus funcionários “de segurança” – que agem como verdadeiros capangas – que, armados, ameaçam, intimidam, destroem casas, lavouras e plantações sem qualquer ordem judicial.
Boa parte dessas famílias, que antes viviam da fartura e alimentavam tantas pessoas, hoje, pela atuação dessas milícias, estão impedidas de plantar e pescar; estão experimentando a miséria e a fome, além do rastro de violência e dor ao verem seus entes queridos entrarem em depressão e adquirirem outros tipos de doenças psicológicas. Tristes relatos de suicídio também vêm se tornando cada vez mais comuns em se tratando de pessoas que foram arrancadas de forma violenta de suas terras, com aquiescência do Governo do Estado e da “Justiça”.
Várias dessas comunidades foram e continuam sendo afetadas por inúmeros e descomunais impactos ambientais decorrentes da implantação do porto e da infraestrutura para o complexo industrial. A área, que consistia em uma extensa e rica área de manguezal, sofreu uma drástica transformação com a supressão de mais de 3 mil hectares de mangue, além de obras de aterros, dragagens e represamentos, que alteraram radicalmente a hidrodinâmica da região.
Agravam essa situação os constantes despejos de efluentes industriais nos cursos d’água e as dragagens no solo marinho, que geram a mortandade das diversas espécies aquáticas e os consequentes impactos sobre a pesca artesanal na região.
Essa é a situação de quase 3.000 famílias de agricultores e pescadores, que vêm sofrendo violências sistemáticas por parte do Complexo Industrial Portuário de Suape. Note-se que a prática dessas injustiças sociais e ambientais e a expropriação do território recai, não por acaso, sobre etnias e populações mais vulneráveis, evidenciando um racismo ambiental por parte do Estado.
É por esses e outros motivos que nossas quase 50 comunidades atingidas pelo CIPS, populações tradicionais de pescadores e agricultores familiares, decidiram bater à porta do Governador para entregar-lhe a conta desse desenvolvimento irresponsável e insustentável, que não rima com vida.
Nós estamos aqui para protestar contra esse estado sitiado de violência e para propor a criação de uma instância oficial e paritária de diálogo e negociação entre o governo e as comunidades. Para atingirmos esses objetivos, apresentamos a seguir nossa pauta de reivindicações:
1. Garantia de moradia digna às famílias já despejadas, com a viabilização da continuidade de seus modos de vida tradicionais por meio da realocação em áreas com condições geográficas similares às de origem.
2. Garantia da permanência e consolidação das comunidades tradicionais nos seus territórios com a sua Regularização Fundiária e com a concessão de subsídios para a sustentabilidade das mesmas.
3. Cumprimento dos compromissos firmados com os movimentos de moradia pelos governos anteriores.
4. A preservação das áreas remanescentes de mangues, restingas, fundos rochosos e mata atlântica dentro do território apropriado pelo CIPS.
5. A recuperação/revitalização de áreas degradadas pela ação do CIPS, com prioridade para as áreas reconhecidamente utilizadas pelas populações tradicionais de forma a garantir suas atividades culturais e de sustento.
6. A delimitação da área de fundeio e implantação de uma unidade de conservação marinha contendo uma área para a pesca artesanal e mariscagem.
7. O cumprimento das medidas mitigadoras e compensatórias fixadas em sentença condenatória na Ação Civil Pública n.º 0005552-13.2011.4.05.8300, tendentes a diminuir os efeitos dos impactos das dragagens marinhas sobre a atividade da pesca artesanal na região.
8. O desenho participativo e a implementação consensuada (com as partes interessadas) de um sistema de recifes artificiais para a viabilização da atividade pesqueira, à luz dos parâmetros normativos substantivos e procedimentais que regem consultas com povos tradicionais e comunidades afetadas, como a Convenção 169 da OIT.
9. A abertura do canal do rio Ipojuca e acesso ao estuário do Merepe, com recuperação ambiental dessa região.
10. O monitoramento permanente dos indicadores ambientais (qualidade de água, biota aquática, produtividade pesqueira, qualidade dos sedimentos etc.) e que o mesmo possua caráter participativo.
11. Fim imediato da atuação violenta do CIPS contra os posseiros, mediante ameaças, destruição de casas e lavouras, roubo de materiais etc., coibindo-se de uma vez por todas os abusos e as arbitrariedades.
12. Fim do bloqueio ao acesso dos pescadores e das pescadoras a áreas específicas de mangue, assim como o confisco injustificado de seus apetrechos de pesca. Chega de tolher a atividade pesqueira da região!
13. Criação de Programas de formação e capacitação profissional que viabilizem a inclusão dos cidadãos afetados pela ação nociva do CIPS no mercado de trabalho, de maneira qualificada e digna, dado que muitos perderam seu trabalho dado à devastação do território e desapropriações. Os critérios e ementa desses programas devem ser definidos em conjunto com os atores sociais interessados e organizações parceiras.
14. Criação de Programas de Saúde específicos para pescadores/as artesanais e marisqueiras, dado que esses grupos de trabalhadores estão constantemente expostos aos efeitos da contaminação hídrica resultante de dragagens realizadas de forma irresponsável e de despejos de efluentes industriais das empresas lotadas no CIPS.
15. Criação de um Programa Especial de Atenção à Saúde Mental dos afetados pelos despejos promovidos pelo CIPS, dado que os efeitos nocivos dessas ações resultaram em quadros de depressão crônicos e de suicídios entre as pessoas atingidas. Essa demanda à Secretaria Estadual de Saúde se faz urgente, pois os traumas provocados pelas perdas de modos de vida se comparam a traumas de guerra, e o CRAS e os CAPS existentes não conseguem absorver a demanda de atendimento.
16. A revisão de todas as indenizações já pagas pelo CIPS decorrentes dos “acordos” que a empresa pressionou os posseiros a assinar, com valores aquém dos valores de mercado, sem parâmetro justificável como base de avaliação dos mesmos.
Por fim, senhor Governador, queremos que saiba que, apesar de todas as violações de direitos humanos e de toda violência, nós resistimos. Nossas comunidades estão unidas e dispostas a lutar incessantemente, pois temos direito à NOSSA terra. Portanto, senhor Governador, viemos aqui para exigir um basta à violência no território afetado pelo CIPS e a proteção de nossas áreas verdes, bem como para propor e cobrar que o seu governo tenha uma Atitude assertiva e responsável com uma cidade que grita por socorro.
Não daremos sossego ao Governo de Pernambuco enquanto não for criada uma instância de diálogo e negociação com os seus vários setores, para que se busque solucionar cada uma das reivindicações aqui apresentadas. Reivindicamos a criação de um espaço de diálogo socioambiental de construção de propostas com a participação de todas as comunidades, em constante interlocução com o governo!
Esperamos que, desta vez, nossa voz seja respeitada, senhor Governador. Merecemos mais do que um governo omisso e que nos relega a condições miseráveis de vida; que nos sitia em terror; que nos entrega para a especulação empresarial e que fomenta a barbárie e a degradação ambiental.
Por isso nós gritamos a plenos pulmões:
Basta de violência nos territórios tradicionais!
Exigimos o fim das milícias!
Exigimos o fim dos danos ambientais!
Queremos Democracia de fato, na prática, e não apenas na propaganda governamental!
Suape é InSustentável!
Entidades apoiadoras:
Associação dos Pequenos Agricultores do Engenho Ilha
Associação de Pescadores e Pescadoras em Atividade no Cabo de Santo Agostinho
Associação dos Moradores e Pequenos Agricultores do Engenho Tabatinga II
Associação de Moradores Comunitários do Engenho Algodoais
Associação dos Moradores e Pequenos Agricultores de Boa Vista II
Associação de Moradores de Águas Compridas
Associação de Moradores de Gaibu
Associação dos Assentados da Vila Tomás
Associação de Moradores da Ilha de Tatuoca
Associação dos Agricultores Rurais de Sítio Lagoa
Associação de Moradores do Engenho Tiriri
Associação dos Moradores do Engenho Massangana
Ação Comunitária Caranguejo Uçá
Centro das Mulheres do Cabo
Fórum Suape – Espaço Socioambiental
Fórum de Juventudes do Cabo – FOJUCA
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Movimento Arte Quilombola
Moradores da Comunidade de Cepovo
Pescadores e Moradores da Praia de Suape
Pescadores e Moradores da Praia de Paraíso
Rede Meu Recife
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Cabo de Santo Agostinho – SINTRAF
Sindicato dos Trabalhadores Público Municipais do Cabo de Santo Agostinho – SINTRAC
Telefone de Contato:
(81)99102-3883