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Ambiental Violações

CERCAMENTO DAS ÁGUAS BRASILEIRAS AMEAÇA PESCA ARTESANAL

Fonte: Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
 20 de fevereiro de 2015
Santiago Navarro F. e Renata Bessi
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Mulher guarda os peixes que pescou. Foto: Renata Bessi
Com 12% da água doce disponível do planeta, mais de 3,5 milhões de hectares de lâmina d’água em reservatório de usinas hidrelétricas, um litoral de mais de oito mil quilômetros e ainda uma faixa marítima equivalente ao tamanho da Amazônia, o Brasil possui enorme potencial para a produção da aquicultura. O governo brasileiro, que criou um ministério exclusivamente para o assunto, o Ministério da Pesca e da Aquicultura (MPA), está tratando de direcionar esforços para aumentar a produção de peixe em cativeiro nas águas brasileiras, com o incentivo da Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura (FAO). 
O ritmo de crescimento tem sido acelerado. De 2010 até 2013, a produção nacional de pescado mais que dobrou, saltando de 480 mil toneladas para aproximadamente 1 milhão de toneladas, de acordo com dados do MPA. Para o ano de 2014, a expectativa é que a produção aquícola nacional chegue a 1,3 milhão de toneladas.
O objetivo do governo de transformar os espelhos d’água em parques aquícolas é visto pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais como um risco para as áreas de pesca tradicional. “O loteamento das águas doces e salgados que está em processo agora em todo território brasileiro se assemelha ao processo de exploração das terras no Brasil. As terras foram se concentrando nas mãos de poucos proprietários e os pequenos agricultores foram sendo expulsos. Também estamos sendo expulsos para dar lugar a empresas e não vamos demorar a ver também latifúndios nas águas”, afirma Maria das Neves, pescadora em Pernambuco e integrante do movimento.
A aquicultura se instala em grandes áreas e suprime os espaços de pesca artesanal. Seguranças são contratados para garantir que pescadores não se aproximem a uma distância de pelo menos 50 metros do empreendimento. “Além disso, estes empreendimentos prejudicam a piracema e contaminam a água com remédios dados aos peixes. Sem contar a ração que altera a cadeia alimentária dos peixes nativos”, afirma Maria José Pacheco, secretária executiva do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP).
O secretário executivo do CPP no nordeste, Severino Santos, afirma que, para que não haja impacto na pesca artesanal é necessário um ordenamento pesqueiro sério. Para isso, propõe um levantamento da produção pesqueira, identificação das espécies e o zoneamento das áreas de pesca, levando-se em consideração o conhecimento das comunidades pesqueiras.
Invisíveis?
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Local utilizado por pescadores para descanso. Ilha de Itaparica. Foto: Renata Bessi
Questionado, o MPA, por meio de seu departamento de imprensa, afirma que as políticas públicas de fomento da aquicultura não comprometem as políticas públicas de fomento da pesca artesanal. “Uma não inviabiliza a outra porque são linhas de atuação diferentes e que se complementam com o objetivo de aumentar a produção e a qualidade do pescado no país, tanto por meio da aquicultura como por meio da pesca”.
O secretário executivo do CPP, por outro lado, sustenta que não há dúvida de que ações do  MPA invisibilizam a atividade pesqueira artesanal. “O discurso e as ações do MPA estão voltados para o hidronegócio, no início a carcinicultura, e agora a cessão de águas para desenvolver projetos de maricultura e piscicultura para cultivar de forma intensiva, principalmente, a tilápia e o bejupirá”, afirma. “Na região do São Francisco, por exemplo, o governo tem incentivado pescadores artesanais a fazerem investimentos na aquicultura”, critica.
O que existe hoje voltado para o pescador artesanal é o seguro desemprego no período da piracema (novembro a fevereiro), já que são impedidos de pescar nesta época do ano, e empréstimos específicos que chegam ao valor de R$ 2.500.
Contradições nas estatísticas
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Igreja submersa para a construção do Lago de Itaparica aparece devido à seca no sertão brasileiro. Foto: Renata Bessi.
Existem hoje 970 mil pescadores registrados no MPA, sendo que 957 mil são artesanais. De acordo com o ministério, 45% do pescado produzido no país, 1,240 milhão de toneladas, é resultado da pesca artesanal. “Há certa incongruência nestes dados. Como é possível que 96% dos pescadores pesquem menos da metade dos peixes”, afirma Tarciso Quinamo, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). O movimento dos pescadores estima que 70% do pescado venha da pesca artesanal.
Qualidade duvidosa
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Pescadores artesanais têm acesso limitado à água em áreas onde há presença crescente de empresas da Aquicultura. Foto: Renata Bessi.
O espelho de água do Lago de Itaparica, nordeste do Brasil, represa as águas do Rio São Francisco e é o terceiro maior espelho do país com uma área de 834 Km2. O lago abarca cinco municípios no estado de Pernambuco – Floresta, Belém São Francisco, Petrolândia, Itacuruba -, e no estado da Bahia os municípios de Glória, Chorrochó e Rodelas. A represa foi feita em função da hidroelétrica de Itaparica, em atividade desde 1988. Para sua construção foram inundadas as cidades de Petrolândia, Itacuruba, Rodelas e o povoado de Barra do Tarrachil.
As Associações dos Pescadores e Pescadoras de Peixe do Lago do Papagaio e a Associação Agropesca São Francisco mantêm seus criadores em uma das ilhas do lago de Itaparica, na região que os pescadores chamam de Serra do Papagaio. Não há como desembarcar na ilha sem submergir pelo menos metade do corpo na água, aparentemente limpa e cristalina. A equipe de reportagem desembarcou a alguns metros dos tanques onde os peixes são criados. Ao chegar à terra era possível ver larvas grudadas nos pés e nas pernas da equipe.
O membro da Colônia de Pescadores de Petrolândia, Pedro de Souza, relata denúncias dos pescadores em relação aos peixes criados em cativeiro. “Sabemos que desenvolvem inúmeras doenças que atacam os animais como fungos e larvas. Vemos até mesmo aberrações como peixes vivos, mas com metade do corpo necrosado”, afirma.
A piscicultora Maria José, que trabalha na ilha, relata que suas atividades são basicamente alimentar os peixes e tirar dos tanques os animais mortos. “Às vezes estufam os olhos. Outros perdem a escama”, disse. Para combater as doenças, os criadores acabam fazendo uso abusivo de antibióticos, pesticidas, antifólio, altamente tóxicos e poluidores.
Nelson de Souza, outro trabalhador da cooperativa, admite que os peixes mortos se tornam um problema. “Não podemos jogar na água, pois polui. Então a saída é enterrar estes peixes”, afirma.
No mesmo dia, a reportagem, navegando pelo lago de Itaparica, encontrou em uma das ilhas contêineres cheios de um resíduo composto por restos de peixe. “Coloca-se algum produto para o peixe se desmanchar. Nem urubu nem mosca chegam perto destes restos”, afirma Pedro.
Questionado sobre o controle sanitário da atividade, o secretário de  Desenvolvimento Econômico e Turismo do município de Petrolândia, Marcos Rogério Viana, disse que engenheiros agrônomos da prefeitura fazem a cada 60 dias monitoramento e até o momento não houve problema nenhum em relação à qualidade da água e do peixe.
Revolução Azul
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Em uma das Ilhas do Lago, encontra-se recipientes com vestígios de peixes dissolvidos com algum produto químico. Foto: Renata Bessi
O redimensionamento da produtividade dos oceanos, rios e outros ambientes aquáticos, com tecnologia que permite um maior extrativismo aquático, foi chamado de Revolução Azul que, segundo a FAO, aliviaria a pobreza em resposta à segurança alimentar e geração de emprego assim como um maior crescimento econômico, projetando o que a organização denominada como Crescimento Azul, retomado no documento, “O Futuro que Queremos” Rio + 20.
Segundo os últimos dados registrados pela FAO, no ano de 2012, a produção mundial pesqueira alcançou um nível de 158 milhões de toneladas, sendo que 15 países foram responsáveis por 92,7% de toda a produção de peixes comestíveis cultivados em 2012. Entre eles, Chile e Egito tornaram-se produtores de milhões de toneladas em 2012. O Brasil é considerado um país potencial no ranking mundial na área de aquicultura.
No entanto, de acordo com dados da FAO, as importações de pescado aumentaram 108% desde 2012, tendo como principais destino países que não sofrem com a fome, ou seja, países desenvolvidos como os Estados Unidos , Alemanha, Japão e França. A expectativa é que em 2030, o Brasil passe a contribuir com a projeção da FAO para produzir 20 milhões de toneladas de peixe por ano.
Margens em disputa
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Pescadores chegam da pescaria para limpar os peixes. Foto: Renata Bessi
A disputa pelas terras às margens das águas do Lago de Itaparica é outro fator que ameaça a pesca artesanal nesta região do Brasil. Território tradicionalmente utilizado pela pesca artesanal, os pescadores têm convivido com novos apetrechos na paisagem de beleza cênica rara do semiárido nordestino. Nas praias de água doce, nas ilhotas e nas terras que margeiam o lago tornou-se comum deparar-se com cancelas, cercas, estacas, arames e placas que proíbem a passagem dentro e fora das águas.
Os pescadores têm convivido com práticas violentas. “Tem uma garoba aí que a gente se arranchou dias atrás e quando saímos tacaram fogo na garoba pra gente não voltar. É de não acreditar, mas derrubaram o mato para a gente não voltar”, conta Gilda Henrique, 29 anos, pescadora do lago de Itaparica, em Petrolândia.
A pesca artesanal tem sua dinâmica própria. O pescador se move de acordo com os tempos de reprodução do peixe, de maneira que os espaços de sua atividade variam. “O peixe desaparece em um canto e temos que ir pra outro lado atrás dele”, explica Gilda. Os pescadores costumam alojar-se ao longo de dias ou até mesmo semanas nos chamados “ranchos”, abrigos de uso comum dos pescadores que ficam às margens do rio e nas ilhotas que compõem a represa de Itaparica. É o espaço de apoio e de convivência dos pescadores, de troca de experiências e de saberes nos dias de trabalho nas águas.
Deixam suas casas geralmente na segunda-feira e permanecem por cinco ou seis dias nas águas do rio São Francisco, até durar o gelo que conserva o peixe. Nas ilhas soltam a rede e utilizam o rancho para limpar, salgar e gelar o peixe, dormir, cozinhar e fazer suas refeições. “E assim vamos de rancho em rancho atrás do nosso peixe”, explica Gilda.
O movimento que demanda a atividade tradicional pesqueira contrasta com a dinâmica dos ‘donos’ das terras que vem surgindo sem ordenamento ao longo do lago, seja para criação de peixe, plantio, criação de animais, turismo aquático ou casas de veraneio. Navegando pela represa percebe-se os contrastes entre ranchos dos pescadores, casas de luxo e praia com bares e restaurantes. Encontra-se até mesmo cercas dentro da água. “Aqui você chega com sua embarcação para pescar, encosta nas margens do lago e já chega logo o ‘dono’ e diz que não quer ninguém ali. Uns resistem e ficam, mesmo com medo de chegar alguém na noite para matar. Já têm outros que se vão”, conta José Ilton, 40 anos, pescador da represa. “A gente vai ficando cercado”.
Quem são os responsáveis pelas terras?
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Pescador retorna à noite para uma das Ilhas do Lago para jantar e dormir.
As terras nas bordas do lago estão sob administração da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), ligada ao Ministério de Minas e Energia. O secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo do município de Petrolândia, Marcos Rogério Viana, admite haver conflito nestes espaços. “Muitas pessoas estão invadindo e a Chesf não toma uma providência para despejar estas pessoas. É um conflito que existe e precisam encontrar alternativa para resolver”, afirma.
A Chesf afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não é responsável pelas margens do reservatório mas, contraditoriamente, admite ter controle sobre Áreas de Preservação Permanente (APP). De acordo com a Lei 12.651, artigo 3, da Constituição Federal do Brasil, as APPs são “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. E são, de acordo com seu artigo 4, “as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente”.
O Conselho Pastoral da Pesca (CPP) sustenta que as terras de domínio da União, tanto APPs quanto as delimitadas para segurança, estão sendo ocupadas por posseiros. O secretário executivo do CPP no nordeste, Severino Antônio dos Santos, cita o exemplo das terras entre os município de Petrolândia e Jatobá que margeiam o lago. “As terras que ficam entre a BR 316 e o lago, que são da União, seja APPs ou área de segurança, estão sendo invadidas por posseiros, casas de veraneio, empresas. É só caminhar pela estrada e é possível ver”.
De acordo com Alzení Tomaz, do Núcleo de Pesquisa e Estudo em Povos e Comunidades Tradicionais e Ações Socioambientais (Nectas), da Universidade do Estado da Bahia, não há dúvida de que as bordas do lago estão sob responsabilidade da Chesf. “O que acontece é que a empresa distribui estas terras de acordo com critérios não transparentes. Sabemos que isso acontece, mas não temos o mapa destas terras. Já fizemos várias solicitações, inclusive via Ministério Público, para saber o que de fato foi transferido ou não, e como isso é feito, mas a Chesf se exime da sua responsabilidade de informar”, afirma a pesquisadora. “Esta situação acaba gerando invasões ilegais e depredação da vegetação e das águas. O que se deve levar em conta é que esta situação precisa ser resolvida para que os promotores das invasões sejam responsabilizados e que as áreas sejam realmente preservadas”.
Alzení lembra que os pescadores artesanais não foram considerados pelo governo, foram atingidos pela construção da represa e acabaram sem acesso a muitos dos seus territórios tradicionais. “E infelizmente situações como esta se repetem em todo o Brasil”, avalia.
A Chesf, questionada se possui conhecimento das invasões nas margens, limitou-se a responder que não possui responsabilidade pelas áreas.
Mobilização pelo Território Pesqueiro 
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Foto: Renata Bessi
5 horas da manhã em uma das Ilhas do lago de Itaparica, chamada pelos pescadores de Porto Serra do Mocó. Ainda escuro, Rosalvo Ferreira da Silva chega trazendo na canoa a rede que havia deixado nas águas no final do dia anterior. Para lançar a rede ao rio, o ideal é que os pescadores estejam pelo menos em dois. Um para segurar o barco e outro para arremessar a rede. Mas Rosalvo joga sozinho. “O vento vai levando o barco enquanto jogo. Se me leva para o lado errado, fico bravo”. Na rede predominam a tilápia, curvina e a piaba. Aproxima a canoa da terra e começa a lidar com os peixes”, justifica.  
Rosalvo, 64 anos, começou a pescar com 12 anos, na Barreira Velha, que está agora debaixo das águas represadas. Naquela época pescava no São Fracisco velho, o de águas correntes. Ali tinha também uma roça. Com a represa foi deslocado para uma agrovila em Petrolândia. “Fiquei um tempo parado, mas tava ficando doente. Aí caí fora, sou do rio … desabei para as águas”, lembra.
Enquanto abre o dorso de uma piaba, o pescador se dá conta de que naquele dia a pesca não foi tão boa. “A lua está clara [lua cheia]. Para anzol tanto faz lua clara ou escura. Peixe de anzol, como o tucunaré, não come à noite mesmo, quando escurece ele acama. Mas para peixe de rede esta lua clara não serve. A rede brilha e eles fogem”, explica.
Rosalvo gosta da solidão das águas. Está protegido. “Não sei vocês, mas todo dia às 6 horas vejo a Maria das Águas. Eu estou sozinho e me concentro. Conheço gente que também vê. As águas dos rios têm muito segredo, assim como os astros no céu e o mato”.
O uso que os pescadores fazem do rio São Francisco vai além da relação objetiva de garantir o sustento de suas famílias. Há uma relação ancestral e mística. “A afinidade entre essas comunidades e o rio se apresenta como algo tão íntimo que soa como uma relação de parentesco ou familiar. O rio com seus mitos, suas águas e seus ciclos está impregnado no modo de ser das pessoas”, afirma Neusa Francisca Nascimento, da CPP do estado de Minas Gerais.
Existe um conhecimento popular sobre as águas, o peixe, o tempo, os astros, construído ao longo de gerações. Esse conhecimento composto coletivamente nas comunidades não é passado a partir do ensino escolar, mas transmitido de pai para filho. É em defesa desse modo de vida construído em torno da pesca que estão sendo desenvolvidos esforços pela regulamentação do território das comunidades tradicionais pesqueiras.
O movimento dos pescadores está em campanha pela aprovação do projeto de lei de iniciativa popular para regularizar o Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras. “Hoje não existem procedimentos para regularizar os territórios das comunidades tradicionais pesqueiras”, explica Maria José. O objetivo, de acordo com ela, é regulamentar o espaço utilizado pelos pescadores, assim como acontece com as demarcações de terras indígenas e quilombolas.
Para ser aprovado, o projeto necessita do apoio de 1% do eleitorado brasileiro, ou seja, 1.406.466 assinaturas. Para saber mais sobre a Campanha acesse: http://peloterritoriopesqueiro.blogspot.com.br/
Ameaçada
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Funcionários da AAT International Ltd., empresa de aquicultura brasileira, foram enviados para destruir este “rancho”, um lugar onde os pescadores tradicionalmente guardam seus materiais. Foto: Renata Bessi
A pesca é uma atividade milenar. Há sambaquis (depósito de conchas, cascas de ostras e outros restos de cozinha) na costa litorânea brasileira que remontam a mais de 8 mil anos, lembra Tarcisio Quinamo, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). “A atividade da pesca tradicional se mantém, claro com renovações, até hoje. E a ameaça nunca esteve tão viva”, afirma.
Para Maria José, o que há no país é um modelo de desenvolvimento que não inclui o povo brasileiro. “Os territórios onde os pescadores estão em todo o Brasil são bonitos, valorizados, cheio de recursos hídricos, bosques, manguezais. Por isso é terra em disputa. Mas estas áreas só existem porque estas comunidades as preservam”, afirma Maria Pacheco.
 ”Que diabo de desenvolvimento é esse, que destrói casa, que tira pessoas que não têm dinheiro dos seus lugares? Tira a vontade da gente, o direito, o desejo. Está faltando o pessoal estudar o que é fazer desenvolvimento sem esmagar o povo”, reclama Maria das Neves.
Acesse as versões em espanhol e inglês da reportagem: 
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CARTA ABERTA SOBRE PORTOS

Carta aberta sobre portos

No dia 30 de julho de 2014, mais de 40 organizações da sociedade civil encaminharam aos Ministérios do Meio Ambiente e Planejamento, à Secretaria de Portos da Presidência da República e ao Ibama, uma carta em que solicitam a adoção da Avaliação Ambiental Estratégica e Integrada para projetos portuários e de demais empreendimentos de relevância e impacto nacional. O documento pede também a promoção de mecanismos mais amplos de participação social – como audiências públicas específicas, informadas e vinculadas para tratar do tema, em nível nacional, bem como no âmbito dos Estados. 

http://www.sosma.org.br/18733/carta-aberta-contra-problemas-planeja…

Exma. Ministra Isabella Teixeira, Ministra do Meio Ambiente

Exma. Ministra Miriam Belchior, Ministra do Planejamento
Exmo. Sr. César Augusto Rabello Borges – Ministro de Estado Chefe da
Secretaria de Portos da Presidência da República
CC: Sr. Volney Zanardi Junior – Presidente do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
Cumprimentando-os respeitosamente, vimos por meio desta, expressar nossa visão e preocupação a respeito do planejamento de novos e ampliação dos já existentes portos brasileiros.
Recentemente, temos testemunhado graves irregularidades em nossa zona costeira que estão trazendo danos irreparáveis para as comunidades tradicionais e, sem dúvida, irão acarretar problemas futuros para o desenvolvimento do país em termos socioambientais e econômicos, trazendo ineficiência inclusive para o setor portuário. A ausência do uso de uma ferramenta moderna de planejamento estratégico ambiental, espacial e integrado faz com que os portos sejam pensados no varejo, em projetos eleitoreiros e sem considerar a sustentabilidade como um valor essencial à construção de uma potência, não apenas econômica, mas também ambiental e que contemple a diversidade cultural da população.
Não há dúvidas que hoje ainda existem gargalos para a eficiência dos portos brasileiros e que a lei 12.825 de 05 de junho de 2013 (oriunda da discussão da MP dos Portos) veio para tentar diminuir lacunas e ampliar investimentos públicos e privados modernizando o setor no país. Mesmo assim, ainda devem ser tomadas medidas para avançar na estrutura portuária garantindo maior participação da sociedade.
No entanto, sem ampliar e fortalecer a estrutura em termos de recursos humanos e financeiros no setor de licenciamento, fica impossível garantir a celeridade sem diminuir a qualidade dos processos. Para que o Brasil mantenha seu destaque no cenário internacional é fundamental respeitar as aptidões regionais e as vocações locais e pensar um projeto de Brasil moderno com a construção de marcos regulatórios que conciliem os objetivos de avanço econômico com a preservação ambiental e a equidade social. É preciso também criar mecanismos para conferir maior proteção, autonomia e participação social nos processos de licenciamentos, para que o rigor técnico e princípios de proteção e segurança não estejam reféns do corriqueiro tráfico de influência e interesses eleitoreiros.
Até o momento, não se nota entre as prioridades do governo a inclusão do valor sustentabilidade no que se refere à questão portuária, muito pelo contrário. O desenvolvimento sustentável e o planejamento estratégico parecem ser duas ferramentas praticamente inexistentes no setor. E o processo de licenciamento ambiental uma ferramenta meramente protocolar a serviço de projetos eleitoreiros.
A maior prova disso é que existem áreas no litoral brasileiro que possuem aptidões naturais para a conservação ambiental e desenvolvimento de atividades ou negócios sustentáveis como a geração de emprego e renda e valorização das comunidades locais. Na ausência de um planejamento, essas características são desperdiçadas com construções portuárias, como é o caso do plano de construção do Porto Sul na Bahia, o Porto Açu no Rio de Janeiro, Porto de Pontal do Paraná, o Porto Mar Azul na Baía da Babitonga em Santa Catarina, Porto de Goiana em Pernambuco e as dezenas de portos pleiteados para o litoral do Espirito Santo, como é o caso do Porto Norte Capixaba, em Linhares. Para além dos planos de construção de novos portos, ainda seguem em tramitação processos controversos de ampliação como é o caso do Porto de São Sebastião, no litoral de São Paulo e o exemplo do Porto de Suape em Pernambuco.
Todas essas áreas são consideradas pelo próprio Ministério do Meio Ambiente no documento Avaliação de Áreas prioritárias para a Conservação (2007) como “importância muito alta” ou “extremamente alta para a conservação”. E é neste sentido, que reiteramos a importância de considerar os atributos naturais como fatores principais e com o destaque merecido nos processos de licenciamento.
Ressaltamos também que, para alguns desses projetos existem alternativas com orçamentos mais baixos, mas que requerem revisão de políticas em marcha, como é o caso do Porto Sul. Estudos apontam que a modernização dos portos já existentes, pode maximizar sua capacidade e diminuir seus impactos ambientais, possibilitando menor risco para o ecossistema e para as populações tradicionais que habitam em suas proximidades. Contudo é preciso rediscutir o modelo de desenvolvimento, utilizando-se de planos estratégicos que reavaliem as matrizes industriais a partir de um diálogo amplo e aberto com a sociedade. Sem participação social nas decisões estratégicas não avançaremos na consolidação da democracia e na construção de um pais soberano e sustentável.
Uma grande potência como o Brasil não pode desperdiçar suas riquezas, sejam elas econômicas, sociais, culturais ou ambientais. É preciso saber aproveitar as oportunidades para se desenvolver, mas não a qualquer custo. Um país como o Brasil não pode mais ignorar os limites ecológicos, pois exaurindo os recursos naturais e destruindo ecossistemas importantes, não será possível garantir equidade social, desenvolvimento sustentável e muito menos prosperidade econômica.
É nesse sentido que as entidades abaixo-assinadas expressam preocupação com a ocupação costeira desordenada e com a manutenção dos serviços ambientais providos por essas regiões. Reconhecemos a necessidade de aprimoramento do setor portuário, mas o mesmo não será feito sem a construção de processos participativos e democráticos, modernos e eficientes, para promover um futuro ambientalmente sustentável e socialmente justo.
Contamos com especial atenção deste Ministério do Meio Ambiente e pedimos que formule, em conjunto com o CONAMA, procedimentos para a adoção da Avaliação Ambiental Estratégica e Integrada para projetos portuários e de demais empreendimentos de relevância e impacto nacional. Também que promova mecanismos mais amplos de participação social como audiências públicas específicas, informadas e vinculadas para tratar deste tema, em nível nacional, bem como no âmbito dos estados. Respeitosamente, apresentamos nossos questionamentos e propostas e aguardamos o devido tratamento por parte deste ministério.
Fundação SOS Mata Atlântica
WWF-Brasil
Instituto BiomaBrasil
Associação Ambiental Voz da Natureza
Instituto Albatroz
Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
Instituto Floresta Viva
Ilhabela.org
Instituto Gondwana
Associação Cunhambebe da Ilha Anchieta
RPPN Rizzieri
Instituto Eco-Solidário
Instituto Ambiental Ponto Azul
Instituto Educa Brasil
Instituto Ilhabela Sustentável
Instituto de Preservação Costeira
Instituto Bonete
Associação dos Amigos da Praia de Camburi –EX
Fórum Popular em Defesa de Vila Velha:
FAMOPES – Federação das Associações de Moradores e Movimentos Populares
do Estado do ES.
AVIDA-PE
AMECA- Associação Movimento Ecológico Carijós – São Francisco do Sul – SC
Associação Global Garbage – Brasil
Coletivo Memórias do Mar
Conselho Pastoral dos Pescadores
Associação Amigos da Prainha do Canto Verde
Associaçao Civil Greenpeace
Coletivo Internacional de apoio a Pesca Artesanal – ICSF, Brasil
Instituto MARAMAR
Núcleo de Solidariedade Técnica (SOLTEC) / Projeto Pesquisa-Ação na Cadeia
Produtiva da Pesca (PAPESCA), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Movimento Nacional dos Pescadores – MONAPE
Associação Ação Ilhéus
Conservação Internacional
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE
Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
Grupo Ambientalista da Bahia – GAMBÁ
Instituto de Pesquisas Ecológicas – IPÊ
Instituto Nossa Ilhéus – INI
Instituto Arapyaú de Educação e Desenvolvimento Sustentável
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS
Rede Nacional Pró Unidades de Conservação – Rede Pro-UC
Associação Mar Brasil
Observatório de Conservação Costeira do Paraná – OC2
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Ambiental SUAPE Violações

DESTRUIÇÃO POR TODA PARTE: SUAPE, PORTO SUL, PECEM

Por , 06/12/2014
Vista área da cidade de Ilhéus. Foto: Instituto Nossa Ilhéus

Vista área da cidade de Ilhéus. Foto: Instituto Nossa Ilhéus
Fabíola Ortiz, O Eco
O sul da Bahia é palco de uma obra de infraestrutura que tira o sono de muitos baianos e também causa dor de cabeça a autoridades públicas e a empresários pelo volume de batalhas judiciais que promete gerar nos próximos meses.
O cerne é o Porto Sul, um terminal portuário que pode ser construído no litoral norte de Ilhéus, na Costa do Cacau, entre as localidades de Aritaguá, Sambaituba e Ponta da Tulha. O empreendimento está orçado em R$ 5,6 bilhões e, no pico das obras, deverá empregar 2.560 trabalhadores. Do outro lado, já suscitou pelo menos quatro pedidos de liminar para impedir o início das obras, além de uma nova ação ajuizada pelo Ministério Público Federal.
O complexo portuário está inserido no planejamento estratégico do estado da Bahia e corresponde ao extremo leste da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), que ligará o porto marítimo às regiões do oeste da Bahia e o Brasil Central.
O Porto Sul terá um terminal de uso público e outro privado. O primeiro tem previsão de operar com uma capacidade de exportação de 75 milhões de toneladas por ano e de importação de 5 milhões de cargas como – minério de ferro, clínquer, soja, etanol e fertilizantes. O terminal de uso privado será destinado à exportação exclusivamente do minério de ferro extraído pela Bahia Mineração (BAMIN).
Segundo o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto, “O Porto Sul foi concebido como um moderno porto em mar aberto (…) o que confere mais flexibilidade para aproximação das embarcações e para implantação de modernos equipamentos de carga e descarga ocupando o mínimo da faixa da orla“. Outro trecho exalta que o porto exercerá o papel de um dos mais importantes pólos logísticos do leste do Brasil.
“Belo Monte da Bahia”
A resistência contra o projeto decorre de que as obras impactarão diretamente um corredor ecológico de remanescentes da Mata Atlântica numa área de vocação turística e agrícola – especialmente pela cultura do cacau através da cabruca, técnica agroflorestal em que o cacau é cultivado sombreado por espécies arbóreas. O corredor liga o Parque Estadual da Serra do Conduru (criado em 1997 e com uma área de 9.275 hectares) e o Parque Municipal Boa Esperança, um hotspot de biodiversidade de 437 hectares localizado na zona urbana de Ilhéus, refúgio de espécies raras e santuário de água doce. Críticos já chamam o Porto Sul de “Belo Monte da Bahia”
Parque Estadual da Serra do Conduru

Parque Estadual da Serra do Conduru
“Estamos falando do que resta da reserva da biosfera da Mata Atlântica, de um local que é considerado a pérola. Lá tem um corredor que liga duas Unidades de Conservação integrais, uma municipal e outra estadual. Seria um desrespeito à vocação natural da região”, disse Maria do Socorro Mendonça, presidente do Instituto Nossa Ilhéus, uma ONG que luta contra a instalação do Porto Sul.
Segundo ela, a sociedade civil junto com o Ministério Público, desde 2008, exerce pressão e tenta provar a inviabilidade do projeto. O Nossa Ilhéus tem um levantamento de mais de 200 impactos que serão causados com a construção do porto.
Segundo o RIMA, identificou-se 36 impactos negativos para o meio biótico, dos quais 42 não são mitigáveis como, durante as obras de dragagem, afugentar e matar peixes e outros animais que vivem no fundo do mar, em especial os de baixa mobilidade. Além disso, consta também nesta lista perda de habitat da fauna, de habitat marinho de fundo consolidado, mortandade de crustáceos e larvas de insetos e peixes, e o risco de interferir no comportamento de golfinhos e baleias.
Na categoria de impactos sócio-econômicos, cerca de um terço dos impactos não é mitigável como é o caso da interferência na atividade pesqueira.
No entorno do empreendimento existem 9 Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), 3 Áreas de Preservação Ambiental (APAs), 2 Parques Municipais e uma Reserva Ecológica. Entre as unidades no perímetro de 10 km do Porto Sul, destaca-se o Parque Estadual da Serra do Conduru e a RPPN Salto do Apepique. De acordo com o RIMA, “a parte terrestre do empreendimento está totalmente inserida na área da APA da Lagoa Encantada e APA Rio Almada. A região está inserida no Corredor Central da Mata Atlântica, no mini-corredor do Conduru”.
lista porto sul“O porto está no maior ponto pesqueiro da região, onde existem cerca de 10 mil pescadores que vivem da atividade artesanal. No continente, só numa área de 437 hectares, existem 32 nascentes de água límpida brotando do solo”, afirmou Mendonça.
O Instituto Nossa Ilhéus foi uma das organizações convidadas para participar, em novembro no Rio de Janeiro, de um treinamento de líderes ambientais e climáticos promovido pelo Prêmio Nobel e ex-vice presidente americano Al Gore, o Climate Reality Leadership Corps Training.
Mega projeto
O Porto Sul será construído numa área de 1.865 hectares, 15 km ao norte de Ilhéus, e é divulgado como o maior investimento portuário em andamento no país. O empreendimento conjunto do estado da Bahia com a empresa Bahia Mineração (BAMIN ) dividirá as obras e as concessões do porto e conta com uma projeção de operar 100 milhões de toneladas anuais até seu 25º ano de funcionamento. A imprensa da Bahia publicou que os investimentos devem alcançar R$ 12,5 bilhões em 25 anos, somando o potencial de atividades do porto e o impacto na economia local.
Além de ser uma área turística, a região de influência do porto é bastante biodiversa. Segundo o RIMA, são encontrados remanescentes de florestas ombrófilas da Mata Atlântica, alguns dentro de UCs da região, como a APA da Lagoa Encantada e Rio Almada. Entre a flora desses fragmentos, destaca-se a sucupira, a maçaranduba, o arapati, a gindiba, os louros, o embiruçu, a juerana, a sapucaia e o jatobá. Nas áreas litorâneas, encontram-se estuários, manguezais, áreas úmidas e restingas.
O RIMA identificou 46 espécies de mamíferos nas áreas de influência do empreendimento, sem contar as 141 espécies de aves; 47 espécies de anfíbios em Aritaguá e; entre os mamíferos marinhos, as 5 espécies mais relatadas foram o boto, a baleia-jubarte, a orca, o golfinho-pintado-pantropical e a baleia-bicuda-de-Layardii.
“Mal poderíamos imaginar que alguns anos depois estaríamos do mesmo lado dos resorts aqui na região lutando contra um projeto em comum”, admitiu Gabriel Siqueira, gestor de projetos do Instituto Nossa Ilhéus, ao relembrar que um dos primeiros embates de ambientalistas no sul da Bahia foi contra a instalação de grandes hotéis na faixa costeira.
Ilustração do futuro Porto Sul. Crédito: Governo da Bahia

Ilustração do futuro Porto Sul. Crédito: Governo da Bahia
A BAMIN e o Pedra de Ferro
O Porto Sul se insere no Projeto Pedra de Ferro, um empreendimento mineral da Bahia Mineração (BAMIN), uma empresa com capital pertencente à Eurasian Natural Resources Company (ENRC), uma controversa empresa do Cazaquistão, com sede em Londres, e à suíça Zamin Ferrous, que tem atuação na África Ocidental, em países como República do Congo, Moçambique, Zâmbia e África do Sul.
Em novembro de 2012, a BAMIN obteve a licença ambiental para a instalação de uma mina de minério de ferro no município de Caetité, no sudoeste baiano. A concessão corresponde a uma Licença de Localização para o projeto batizado de Pedra de Ferro.
Caetité é um pequeno município de 46 mil habitantes localizado no sudoeste baiano, a 757 km de Salvador. A mina tem previsão para produzir cerca de 20 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.
A jazida mineral localizada no sertão baiano será interligada ao Porto Sul por trem, ao longo de mais de 400 km. Na chegada, será embarcada em um terminal privativo offshore. Os investimentos na construção do projeto mineral chegam a US$ 1,5 bilhão (cerca de R$4 bilhões). A execução do Projeto Pedra de Ferro tornaria a Bahia o terceiro estado do país em produção de minério de ferro – atrás de Carajás, no Pará, e do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais.
“O minério de ferro é poluente e espalha o pó de ferro, altamente tóxico e capaz de viajar com o vento quase 100 km. Faz mal à respiração, contamina a água e a agricultura, e pode, assim, prejudicar a produção de cacau”, disse Gabriel Siqueira. Os impactos tanto para a saúde da população quanto para o meio ambiente podem ser maiores do que a vida útil da própria mina de ferro, estimada em 15 anos.
Maria do Socorro Mendonça diz que o minério de ferro desta mina tem apenas 32% de pureza. “Ele é pobre, significa que de 1 bilhão de toneladas extraídas, só 320 milhões serão aproveitadas. O potencial da mina não é sustentável, sem contar que para transportar de ferrovia da mina para o porto fizeram um trajeto cortando tudo, sem se importar com as APAs, as cavernas e o povo, que estão no caminho”.
Vista de floresta de Mata Atlântica no litural sul da Bahia. Foto: Fábio Coppola

Vista de floresta de Mata Atlântica no litural sul da Bahia. Foto: Fábio Coppola
Realocação de moradores
“A área onde moro vai desaparecer do mapa porque o mar vai invadir”, lamentou o paulista Ismail Abéde, de 46 anos, que há cinco anos se mudou para o sul da Bahia e vive numa comunidade chamada Vila Juerana, litoral norte de Ilhéus. Ele e as cerca de 800 pessoas que vivem na vila serão desalojadas. “Segundo o próprio RIMA, uma erosão vai atingir 10 km ao norte do porto e o mar vai entrar para dentro do continente até 100 metros. Vai ser uma catástrofe”, disse Ismail.
Preocupado com os impactos sociais e ambientais deste complexo portuário, ele se tornou um ativista da associação de moradores da Vila Juerana contra as obras. A Licença de Instalação do porto foi emitida em 19 setembro deste ano, às vésperas das eleições presidenciais. O prazo para início das obras será de um ano e o limite para conclusão e operação comercial do empreendimento é 31 de dezembro de 2019.
Ismail lista os impactos à natureza: “A 4 km ao norte do porto tem um manguezal e uma boca de rio. A água do rio Almada vai ser usada para lavar minério, e esse rio liga a Lagoa Encantada ao mar. Também não vai sobrar nada do mangue que é um berço de vida. Estão simplesmente desconsiderando tudo isso”.
Em outubro deste ano, um grupo de ONGs publicou a “Carta de Ilhéus sobre o Porto Sul“, pedindo que se cancele o licenciamento.
Ismail continua: “Até onde entendo, o Estado pode desapropriar quando é para um bem maior coletivo e não em benefício de uma empresa privada internacional do Cazaquistão que foi expulsa da Bolsa de Valores de Londres por acusações de fraudes”. O diário inglês The Guardian, a Rede de Mineração Londrina (London Mining Network) e sites como Eurasianet escreveram sobre a expulsão da ENRC da Bolsa de Valores de Londres, em novembro de 2013, sob alegações de “fraude, suborno e corrupção”. O inquérito foi conduzido pelo Escritório de Fraudes Graves do Reino Unido (Serious Fraud Office).
Em setembro de 2012, a Rede de Mineração Londrina já havia publicado artigo “Pode a ENRC salvar a BAMIN?” (em inglês).
O outro lado
Através de sua assessoria de imprensa, a BAMIN informou a ((o))eco que a empresa não falaria á reportagem em razão de ausência do país de José Francisco Vieiro, seu presidente e único porta-voz.
A assessoria se limitou a enviar por email um comunicado sobre a concessão da licença de operação da mina em Caetité em 13 de junho de 2014 e sobre a sua operação atual, com capacidade reduzida de um milhão de toneladas/ano, até a conclusão das obras do Porto Sul. ((o))eco perguntou se a expulsão da ENRC da Bolsa de Valores de Londres impactará os empreendimentos da BAMIN no Brasil. A empresa não respondeu.
Segue a nota da companhia:
“A Bahia Mineração é uma empresa brasileira que, por meio de sua operação, contribuirá para o desenvolvimento social e econômico da Bahia e de sua gente. Para extrair, beneficiar, escoar e comercializar 20 milhões de toneladas por ano de minério de ferro, serão criados 6,6 mil vagas de empregos em Caetité – cidade do semi-árido – e em Ilhéus, município que há 20 anos vive contínuo declínio econômico por conta da crise da lavoura cacaueira.
A Bamin prevê investimento total de US$ 3 bilhões no Projeto Pedra de Ferro, que consiste na extração e beneficiamento de minério de ferro em jazidas nas cidades de Caetité, transporte desta carga pela Ferrovia de Integração Oeste – Leste (Fiol) e escoamento do produto via Terminal de Uso Privativo a ser construído no Complexo Porto Sul, em Ilhéus.”
Sobre o Porto Sul, a Secretaria de Estado da Casa Civil da Bahia informou a ((o))eco que foram estabelecidos 38 programas ambientais básicos para diminuir ou mitigar os impactos do empreendimento:
“Os estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA) foram intensamente discutidos com a sociedade e o órgão ambiental responsável, o Ibama, em cerca de 10 audiências públicas voltadas à informação e esclarecimentos quanto aos impactos. A maior compensação ambiental é a destinação de uma área de 1.702 hectares para uma unidade de proteção integral, a de Ponta da Tulha. Também há um programa de recuperação de áreas degradadas e matas ciliares e nascentes.”
O Programa de Compensação da Atividade Pesqueira foi apresentado às comunidades de pescadores da região. Estima-se que para a execução dos programas básicos ambientais o montante de recursos será da ordem de R$ 300 milhões.
Segundo o governo da Bahia, todas as famílias que serão impactadas diretamente estão no programa de desapropriação e reassentamento. O comunicado informa que as indenizações deverão começar a partir do 1º trimestre de 2015.
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Ambiental

CONVITE: OFICINA “CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E RESISTÊNCIAS

A OFICINA “CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E RESISTÊNCIAS: Construindo territórios de utopias” acontecerá nos dias 2, 3 e 4 de dezembro, em Olinda/PE.

Algumas informações e orientações gerais.
Além da chegada no dia 2, teremos dois dias de trabalho, com atividades de debate e partilha de informações.
Vejam que propomos a  construção participativa do “MEU TERRITÓRIO NO MAPA BRASIL, violações e resistências” e  para isto, gostaríamos de pedir que tod@s tragam fotografias, imagens ou coisas e memórias dos seus lugares para serem partilhadas na apresentação da Oficina.  Também são bem vindas contribuições como vídeos, documentários, imagens dos processos, fotos, memórias… para compor nossa sala OUTROS MAPAS. Além disto, todo material que acharem bom partilharem tanto nos dias do encontro quanto na apresentação dos grupos, por favor, tragam.
A programação completa está logo abaixo.
Bem, agora algumas questões práticas.
1. Hospedagem e alimentação.
Ficaremos todos hospedados no Convento das Dorotéias, em Olinda. Nossas refeições e lanches serão feitos lá também. O endereço do Convento das Dorotéias é Ladeira da Sé, S/N, Alto da Sé, Olinda; e o telefone 81.3429-3108. Na noite do dia 2, dia da chegada, teremos janta no Convento.
2. Transporte em Recife e nas cidades
Estamos organizando o transporte dos “vindos de fora” com um táxi coletivo pra facilitar a chegada. Lucas, motorista amigo da Fase, estará esperando cada turma no aeroporto para levá-los a Olinda. Reembolsaremos as despesas de translado em cada cidade. Por isto, guardem os cupons para podermos fazer os acertos.
Bem, se alguém tiver alguma dúvida sobre as passagens, entre em contato com Zilea (na Fase 21 2536 7350) ou escreva por email (zreznik@fase.org.br). 
PROGRAMAÇÃO  
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E RESISTÊNCIAS: CONSTRUINDO TERRITÓRIOS DE UTOPIA
Data: 3 e 4 de dezembro de 2014
Local: Convento das Dorotéias, Olinda/PE (Ladeira da Sé, S/N, Alto da Sé – TEL: 81. 3429 3108)
Organização: FASE
Apoio: Ajuda da Igreja Norueguesa / Campanha OD e Fundação Rosa Luxemburgo
DIA 2 de dezembro (terça)
Chegada e acolhida – tarde e noite
_ MONTAGEM DA SALA “OUTROS MAPAS” – Espaço para exibição de vídeos, documentários, imagens dos processos, fotos, memórias, enfim, outros mapas…
DIA 3 de dezembro (quarta)
9 h. Boas vindas e apresentação da programação
9:30h. Apresentação dos participantes
_ construção participativa do “MEU TERRITÓRIO NO MAPA BRASIL, violações e resistências” (favor trazer fotografias, imagens ou coisas e memórias dos lugares para serem partilhadas na apresentação).
_ Resgate do processo metodológico “Cartografia Social” e o quadro inicial identificado de violação e resist6encias – Joana Barros (FASE)
11h. Roda de conversa  Impactos e conflitos dos projetos de desenvolvimento
_convidados: Cristiane Faustino (Terramar), Marcelo Calazans (Fase ES), Maria José (Comissão Pastoral da Pesca), Leuza Munduruku (liderença Munduruku, Tapajós)
12:30 – 13:45_Almoço
14h. Cartografias dos conflitos_ os grupos nos territórios falam.
_apresentação dos processos de cartografia social em curso (20 minutos por grupo):
·         Mulheres pescadoras (PE)
·         Mulheres catadoras (PE)
·         Mulheres mandiocultoras (PE)
·         Mulheres de Manguinhos e Caju (RJ)
·         Jovens de Recife (PE)
·         Jovens de Belém (PA)
·         Jovens do Rio de Janeiro (RJ)
Breve Apresentação dos principais elementos comuns aos mapas – Grupo de sistematização (Evanildo, Ronaldo Sales e Rachel).
Rodada de reflexões do final de dia.
18h – encerramento com orientações para o dia seguinte.
DIA 4 de dezembro (quinta)
9:30h. Trabalho em Grupo (04 grupos mistos)
_questões motivadoras para o diálogo nos grupos:
·         Como podemos partilhar e divulgar mais nossas formas de lutas?
·         Como fortalecer as articulações de resistência já existentes?
·         O que podemos fazer de forma conjunta em 2015?
11:00h. Apresentação dos Grupos de Trabalho (15 minutos cada grupo) – abertura para breves esclarecimentos
12:30h. Almoço
13:45h. Retomada dos principais elementos das apresentações dos Grupos de Trabalho (breve síntese) e moderação participativa da Roda de Conversa – Cris Faustino
Roda de conversa Territórios de utopia: direito à cidade, justiça ambiental e bens comuns
_convidados: Verena Glass (FRLS), Heitor Scalambrini (Fórum Suape), e Aldebaran Moura (Fase AMZ).
Rodada de reflexões finais.
16h. Encaminhamentos finais e encerramento com lanche coletivo
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Ambiental

MPA DISCUTE PESCA DE PEQUENA ESCALA NO PAÍS

Movimento de Pescadores Artesanais discute pesca de pequena escala 

Por , 19/11/2014 
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.
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Os participantes discutirão propostas de lei para regulamentar a prática pesqueira, especialmente a de baixa escala de produção
Arthur Paganini – Correio Braziliense
Brasília sedia, até hoje, quarta-feira (19/11), uma série de reuniões e atos que marcam a Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras. O encontro, organizado pelo Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), pretende ampliar as discussões que tratam da pesca de pequena escala pelas comunidades pesqueiras de todo país. Dezenas de representantes da pesca artesanal de todo país participam das atividades.
Os trabalhos foram abertos na segunda-feira (17). Entre as atividades, os participantes analisaram a conjuntura política da pesca e assistiram ao lançamento do vídeo documentário Vento Forte, que trata dos conflitos socioambientais em comunidades pesqueiras. Apoiado pelo Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), o vídeo relata os diversos desafios que envolvem a sobrevivência das comunidades pesqueiras, como a aquicultura empresarial, o turismo predatório, a pesca industrial, entre outros fatores.
Nesta terça-feira, o movimento se reúne para discutir propostas de lei para regulamentar a prática pesqueira, especialmente a de baixa escala de produção. Amanhã, os participantes serão recebidos pela secretaria-geral da Presidência da República. O evento ocorre no Retiro Assunção, na 611 Norte, em frente à via L2.
No Brasil, segundo dados do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), estima-se que a atividade envolva aproximadamente 2 milhões de pessoas e que o setor seja responsável por aproximadamente 45% da produção de pescado do país. Segundo dados do MPA, de setembro de 2011, de cerca de 970 mil pescadores registrados, 957 mil são pescadores e pescadoras artesanais e, atualmente, estão organizados em cerca de 760 associações, 137 sindicatos e 47 cooperativas.
No entanto, os maiores desafios da pesca artesanal estão relacionados à participação dos pescadores nas organizações sociais, ao alto grau de analfabetismo e baixa escolaridade, ao desconhecimento da legislação na base, aos mecanismos de gestão compartilhada e participativa da pesca. A participação no evento é gratuita e os resultados das discussões também poderão ser acessados pelos interessados. Para mais informações, acesse pelo territoriopesqueiro.blogspot.com.
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Ambiental Comunidade Encontro

Reunião dos moradores do território de Suape com direção da OAB-PE

Reunião dos moradores do território de Suape com direção da OAB-PE
 A injustiça em qualquer lugar é uma
 ameaça à justiça em todo lugar
Martin Luther King
Em reunião ocorrida no final do mês de outubro, entre membros do Forum Suape Espaço Socioambiental e a direção da Ordem dos Advogados de Pernambuco, foram denunciados vários problemas decorrentes da violação de direitos das comunidades do entorno do Complexo de Suape (CIPS). Decidiu-se então nesta oportunidade a realização de uma nova reunião mais ampla, agora com a presença destes moradores.
 Ontem (dia 10 de novembro), aconteceu esta reunião com o presidente do conselho seccional Pernambuco da OAB, Pedro Henrique Reynaldo Alves.
Com a presença de mais de cem pessoas, moradoras dos engenhos do que hoje constitui o Complexo Industrial Portuário de Suape, o clima que se transcorreu a reunião foi muito emocionante. Foi formada uma mesa com o presidente da OAB do Cabo de Santo Agostinho Geni Lira;com a Dra. Conceição Lacerda Contijo advogada militante;  com o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Dr. João Olímpio Valença de Mendonça; com a representante da Comissão Pastoral da Terra-CPT Mariana Vidal, representando o Fórum Suape – Espaço Socioambiental, Mercedes e Mariana Olivia (Focruz);  e a representante do do Centro das Mulheres do Cabo , Nivete Azevedo.
A audiência, segundo o presidente da OAB, foi para ouvir os camponeses e pescadores contarem o que é que está acontecendo nos seus territórios.
Os moradores mais antigos comentaram sobre a violência das expropriações, as indenizações irrisórias e a situação atual de muitos dos já desapropriados que não têm condições de reproduzir suas vidas nem material nem psicologicamente. Camponeses, camponesas e pescadores artesanais se pronunciaram.
Uma mulher de um dos engenhos comentou que nasceu e se criou, e teve os seus netos no engenho, hoje reivindicado pela empresa Suape. Mas agora ela teve de sair para morar com a filha, e ainda corre risco de ser novamente desapropriada. Ela é neta de escravos que viviam e trabalhavam na região e está sendo despejada do seu território de vida.
A foto é do momento no qual a advogada Dra. Conceição Lacerda perguntou quantas pessoas já tinham sofrido violência e assédio por parte da “milícia privada” da empresa Suape. O resultado foi  assustador.
O presidente da seccional da OAB e o presidente da Comissão de Direitos Humando se comprometeram a estudar os casos, estabelecer um diálogo com a empresa Suape, e caso necessário, agir judicialmente.
O saldo foi positivo, mas ainda precisamos mostrar permanente apoio social às ações que decorreram da reunião. O Fórum Suape – Espaço Socioambiental continuará  trabalhando no sentido de unir e fortalecer os afetados  pelo megaprojeto do Complexo Industrial Portuário de Suape. Garantindo assim que os direitos destas populações sejam preservados. O que não vem ocorrendo nos últimos anos.
Esperamos, portanto, que em função de ampla documentação entregue a OAB – Pernambuco ela haja mais incisivamente no sentido de que a lei seja cumprida naquele território
Vale a pena mencionar a reunião emocionou  a todos presentes, particularmente pelos depoimentos prestados.
Comunicação – Fórum Suape Espaço Socioambuiental
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Ambiental Artigo Desenvolvimento Desigualdade

PIB, CONCEITO ULTRAPASSADO

Ladislau Dowbor

Por Ladislau Dowbor
A divulgação da pesquisa sobre Indicadores de Progresso Social 2014 (IPS) [leia o relatório principal, o resumo e a metodologia] vem agregar peso à transformação de como calculamos os resultados econômicos e o desenvolvimento. Sem ser economistas ou entender de contas nacionais, muitos já se perguntam há tempos como casam no Brasil os imensos avanços sociais e econômicos que vivemos, além um desemprego que é o menor da história, com taxas modestas de crescimento PIB, tão atacado como “pibinho”. É que a cifra que tanto encanta a mídia, o PIB, simplesmente não mede o que queremos medir, que é o progresso, ou em todo caso o reflete de maneira muito parcial.
A iniciativa da ONG Social Progress Imperative é um refresco, ao medir o que importa, ao fazê-lo de maneira sistemática, com metodologia clara e que permite comparabilidade. Depois da edição experimental e limitada de 2013, a de 2014 cobre 132 países, com correções e ajustes. Publicada em dois volumes, um de resultados e análises por país, e outro de metodologia, a pesquisa constitui um aporte significativo para a compreensão das transformações que vivemos.
É verdade que esta iniciava vem apenas reforçar metodologias como o Happy Planet Index, o Genuine Savings Indicators, o FIB (Felicidade Interna Bruta) e sobretudo o movimento Beyond GDP na União Européia. Mas a contribuição de nomes como Michael Porter, da Universidade de Harvard e de outras instituições de peso, vai materializando a nossa lenta evolução para medidas que façam sentido. O apelo mundial para irmos além do PIB, lançado neste sentido há alguns anos por Joseph Stiglitz, Amartya Sen e Jean-Paul Fitoussi, dos quais os autores do IPS se declaram devedores, está dando frutos.
O teórico da iniciativa, Patrick O’Sullivan, vai direto ao assunto: “É realmente indefensável continuar a usar o PIB como se de alguma forma medisse o bem estar, e é confortante se dar conta que o próprio Kuznets, o pai fundador da medição sistemática do PIB, já nos tenha alertado que “o bem-estar de uma nação dificilmente pode ser inferido da medida da renda nacional” (Met.26) Este ponto de partida define a filosofia do esforço empreendido.
“Tornou-se cada vez mais evidente que um modelo de desenvolvimento baseado apenas no desenvolvimento econômico é incompleto. Uma sociedade que deixa de assegurar as necessidades básicas, de equipar os cidadãos para que possam melhorar a sua qualidade de vida, que gera a erosão do meio ambiente, e limita as oportunidades dos seus cidadãos não é um caso de sucesso. O crescimento econômico sem progresso social resulta na falta de inclusão, descontentamento, e instabilidade social. Um modelo mais amplo e mais inclusivo de desenvolvimento requer novas medições, com as quais os que gerem as políticas e os cidadãos possam avaliar a performance nacional. Temos de ir além de simplesmente medir o Produto Interno Bruto per capita, e tornar a medição social e ambiental parte integrante de como medimos os resultados”.(11)
Este enfoque permite organizar os indicadores em torno aos interesses reais das pessoas. O índice, no seu conjunto, busca responder a três questões: (26)
  1. O país assegura as necessidades mais essenciais da sua população?
  2. Os fundamentos básicos que permitam aos indivíduos e às comunidades alcançar e sustentar o seu bem estar estão assegurados?
  3. Há oportunidades para todos os indivíduos alcançarem os seus plenos potenciais?
Para nós no Brasil este enfoque menos centrado no crescimento econômico e diretamente dirigido ao bem estar da população é de uma grande ajuda. Em torno a estes três grandes eixos, o IPS apresenta indicadores básicos, quatro por eixo, que são por sua vez desdobrados em 54 indicadores mais detalhados. Conseguiram cifras razoavelmente confiáveis para 132 países, o que torna o IPS um complemento útil inclusive para o sistema básico das Nações Unidas, os Indicadores do Desenvolvimento Humano (IDH), que acrescenta aos dados tradicionais da renda indicadores de educação e de saúde.
Um outro elemento metodológico importante é que o IPS busca indicadores de resultados, não de insumos (outcome index, not inputs). Ou seja, um país que investe muito em saúde construindo hospitais de luxo e priorizando a saúde curativa, em termos de investimentos está realizando um grande esforço (inputs), mas os resultados (outcomes) serão pífios em termos de população saudável. E se trata de medir este último objetivo.(Met.5) A cidade de São Paulo gastou rios de dinheiro em viadutos, túneis, elevados e automóveis particulares com o resultado de paralisar a cidade. Esta paralisia, ao gerar mais custos para todos (inputs), aumenta o nosso PIB. Seguramente não o outcome queremos, que é a mobilidade urbana. Medir pelo enfoque dos resultados é muito importante.
Em termos metodológicos ainda, é natural que haja discussões sobre a objetividade na escolha dos indicadores. Patrick O’Sullivan (Universidade de Grenoble e de Varsóvia) apresenta aqui, no volume de Metodologia, um excelente artigo teórico sobre os indicadores e os seus limites. Os vieses são honestamente assumidos: “Vamos assumir abertamente que esta posição (do relatório) apoia-se em fundamentos que constituem certos juízos de valor normativos, que deixaremos explícitos e transparentes, e mostraremos, por mais chocante que este uso explícito de um discurso normativo possa parecer, a pesquisadores de ciências humanas orientados para o positivismo, que na realidade toda ciência humana é irremediavelmente carregada de valores de qualquer modo.” (Met. 25)
No Brasil, este realismo quanto aos valores implícitos, apoiado nas visões de Gunnar Myrdal, nos ajudaria bastante, frente à deformação sistemática das análises sobre os avanços do país na mídia comercial. Mas este alerta deve ser observado inclusive para os dados do IPS: por exemplo, os dados relativos à propriedade privada são, neste relatório baseados na fonte da Heritage Foundation, um Think Tank da velha direita norte-americana, que seguramente consideraria a nosso Constituição, com a sua visão da função social da propriedade, como subversiva. O enfoque adotado, por exemplo, permite jogar para baixo o IPS da China, que é o país que de longe tirou mais pessoas da pobreza no planeta – cerca de dois terços da redução mundial. Aqui a carga de valores é realmente explícita.(106)
Os resultados da pesquisa
Na parte da análise dos resultados, uma das tendências mais interessantes mostra uma forte correlação entre o aumento do PIB e a melhoria na área das necessidades básicas, (no caso nutrição, água e saneamento, habitação e segurança) mas apenas para os mais pobres: “As necessidades humanas básicas melhoram rapidamente quando o PIB per capita aumenta, nos níveis baixos de renda, mas depois (a tendência) se torna mais horizontal (flattens out) à medida que a renda continua a aumentar”. (54)
Para nós isto é muito importante, pois mostra que o aumento de renda nos extratos mais pobres melhora radicalmente o progresso social em geral. Em outros termos, o dinheiro que vai para a base da sociedade é muito mais produtivo em termos de resultados para a sociedade, o que bate plenamente com as pesquisas do IPEA sobre a produtividade dos recursos. As pesquisas da ONU sobre o IDH chegam à mesma conclusão: “Rendimentos mais elevados têm uma contribuição declinante para o desenvolvimento humano”. O New Economics Foundation (NEF) de Londres chega à mesma conclusão, ao analisar o “retorno social sobre o investimento” (SROI – Social Return On Investment), e considera que a adoção desta metodologia “é particularmente oportuna quando as organizações estão buscando tornar cada libra render o máximo possível”. (NEF, 2009) Estamos aqui no centro do problema da baixa produtividade econômica gerada pela concentração de renda, confirmando os efeitos multiplicadores que gera a redistribuição, inclusive para o próprio PIB.
Centrar-se no progresso social, ou seja, no resultado que queremos efetivamente para a nossa vida, e não no PIB, permite por sua vez evitar deformações flagrantes que o IDH atenua apenas em parte. Assim países exportadores de petróleo, como a Arábia Saudita, o Kuait e Angola, que pela exportação de recursos naturais aparecem com uma renda per capita elevada, mas não asseguram o bem estar que estes recursos deveriam gerar para a população, são aqui avaliados de maneira diferenciada, como under-performers, ou seja, países com um crescimento distorcido. Por outro lado, constata-se a alta correlação entre o PIB e o indicador de acesso à informação e comunicação, “amplamente baseado no fato que o acesso à telefonia móvel e à internet está ligada à capacidade aquisitiva do consumidor”.(59)
Para nós esta dimensão é importante para pensar e contabilizar a contribuição das exportações primárias: qual é a sua produtividade social real, em termos de geração de empregos, de impactos ambientais, de retenção ou expulsão de mão de obra para as cidades como por exemplo no caso da pecuária extensiva? A visão geral do relatório é que “de modo geral, países ricos em recursos têm mais propensão a ter uma baixa performance em termos de progresso social, relativamente ao seu PIB per capita”.(53)
Na análise igualmente, o texto apresenta uma forte correlação entre os indicadores IPS e outras pesquisas baseadas em avaliações de percepção de qualidade de vida pelas pessoas: “Há uma relação altamente positiva e significativa entre a satisfação com a vida e o progresso social, e em particular na dimensão de Oportunidades.” (69) Outro dado significativo é que “o indicador de sustentabilidade ambiental é o que menos está relacionado com o PIB.” Os indicadores médios indicam uma forma de “U”, sugerindo que os pobres ainda não afetam o meio ambiente, enquanto os países na fase média de avanço econômico tendem a deteriorá-lo, passando a buscar a sua recuperação ao alcançar níveis de renda mais elevados. (59)
O Brasil na pesquisa
O Brasil aparece bem na foto. Importante lembrar que se trata apenas de uma foto, pois o índice é novo e não permite comparação no tempo, ou seja, a dinâmica da mudança. De qualquer forma, vale a pena dar uma olhada nos dados.
O Brasil ocupa o 46º lugar entre 132 países, com um índice médio geral de 69,957. A Colômbia ocupa o 52º lugar, México 54º. O PIB per capita brasileiro utilizado na pesquisa é de 10.264 dólares em valores de 2012. Os dados sintéticos para o Brasil são os seguintes:
Dados Sintéticos
Brasil (46º)
EUA (16º)
Argentina (42º)
PIB per capita (US$)
10.264
45.336
11.658
Score médio geral
69,957
82,77
70,59
Necessidades básicas
71,09
89,82
77,77
Fundamentos do Bem-estar
75,78
75,96
70,62
Oportunidades
63,03
85,54
63,38
Para ter uma referência, os Estados Unidos ocupam o 16º lugar, com um PIB de 45.336 dólares, e um índice médio geral de 82,77. Os dados sintéticos norte-americanos são muito desiguais, com respectivamente 89,82 para necessidades básicas, 75,96 para fundamentos de bem estar (praticamente iguais ao Brasil), fruto dos últimos trinta anos de neoliberalismo naquele país, e 85,54 em termos de oportunidades – índice puxado em particular pela expansão do acesso à educação superior, onde o Brasil é, pelo contrário, muito fraco. A Argentina, por sua vez, que ocupa o 42º lugar, tem um score geral de 70,59, um PIB per capita de 11.658 dólares, e apresenta no geral índices parecidos com os do Brasil. Detalhando um pouco para os 12 principais grupos de indicadores, temos a situação seguinte:
Nível dos 12 principais indicadores
Nível dos 12 principais indicadores
Brasil
EUA
Argentina
Nutrição e cuidados básicos de saúde
92,02
97,82
94,62
Água e saneamento básico
81,64
95,77
95,65
Habitação
73,20
87,99
60,75
Segurança pessoal
37,50
77,70
60,07
Acesso ao conhecimento
95,43
95,10
94,53
Acesso à informação e comunicação
67,69
81,33
69,54
Saúde e bem estar
76,05
73,61
70,56
Sustentabilidade
63,94
53,78
47,83
Direitos da pessoa
74,94
82,28
66,55
Liberdade pessoal
69,38
84,29
73,61
Tolerância e inclusão
61,77
74,22
64,53
Acesso à educação superior
38,09
89,37
48,83
Impressionante os Estados Unidos, com um PIB quatro vezes e meia maior do que o Brasil, terem um indicador de saúde e de bem estar (esperança de vida, morte por doenças entre 30 e 70, taxas de obesidade, mortes por poluição do ar, taxa de suicídios) significativamente pior do que o Brasil. Situação pior ainda em sustentabilidade, devido em particular à massa de emissões de gazes de efeito de estufa, uso da água além das reservas e redução de biodiversidade e habitat natural. A Argentina, aliás, fica pior ainda neste quesito. Os itens críticos para o Brasil, naturalmente, são os de segurança, com 37,50 pontos, e de acesso à educação superior, com 38,09 pontos.
Na análise dos autores, “entre os países dos BRICS, o Brasil apresenta o perfil de progresso social mais forte e mais “equilibrado” (the strongest and most “balanced”). Apresenta alguma fraqueza em Necessidades Humanas Básicas (puxada pelo score muito baixo de 37,50 para Segurança Pessoal), mas apresenta uma performance consistentemente boa em todos os componentes tanto dos Fundamentos de Bem Estar como de Oportunidades, com exceção de Educação Superior (38,09, 76º).”(50)
Comparando com o conjunto dos BRICS, o relatório considera que “quatro dos cinco BRICS fazem parte do quarto nível, inclusive Brasil (46º) com um score de 69,97, África do Sul (69º) com 62,96, Rússia (80º) com 60,79, e China (90º) com 58,67. A Índia fica fora dos 100 primeiros em termos de progresso social, com um score mal superando 50. Os países da América latina estão bem representados no quarto grupo. Argentina 42º, Brasil 46º, e Colômbia, México e Peru colocados nos lugares 52º, 54º e 55º respectivamente”.(45)
No plano propositivo, ao comentar o Brasil, a análise sugere que “apesar do Brasil apresentar uma performance relativamente boa no componente Sustentabilidade do Ecossistema, precisa enfrentar questões ambientais urgentes, tais como a redução do desmatamento essencialmente frutos da especulação sobre o solo, da pecuária irregular, e de projetos de infraestruturas; o controle dos gases das emissões de gases de efeito estufa pelo setor industrial; e o acesso à eletricidade com tecnologias eficientes em termos de custos e ambientalmente amigáveis. |O Brasil tem cerca de um terço das florestas tropicais do planeta e pelo menos 20 por cento da biodiversidade do planeta. #Progresso Social Brasil tem focado os seus esforços iniciais na região amazônica.”(36)
Os dados completos por país estão nas páginas 85 e seguintes do relatório principal. Vejam a tabela geral dos indicadores utilizados, disponível na p. 28 do relatório principal:


Notas: No texto acima, colocamos entre parênteses as páginas do relatório principal, e quando se trata do volume sobre metodologia, colocamos o número da página com a menção “Met.” Os links dos documentos originais estão abaixo. Para se documentar quanto às novas metodologias veja no blog http://dowbor.org o artigo O Debate sobre o PIB.
NEF – New Economic Foundation, “Social Return on Investment”
http://www.neweconomics.org/blog/entry/a-turning-point-for-new-indicators-of-progress
Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e da UMESP, e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social”, “O Mosaico Partido”, pela editora Vozes, além de “O que Acontece com o Trabalho?” (Ed. Senac) e co-organizador da coletânea “Economia Social no Brasil“ (ed. Senac) Seus numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social estão disponíveis no site http://dowbor.org
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Ambiental

CARTA POLÍTICA DO 2º SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SAÚDE E AMBIENTE DA ABRASCO

sibsasibsaO 2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente, reunido em Belo Horizonte, Minas Gerais, entre 19 e 22 de outubro de 2014, teve como tema central “Desenvolvimento, conflitos territoriais e saúde: ciência e movimentos sociais para a justiça ambiental nas políticas públicas”. Foram cerca de 600 participantes, com a apresentação de 500 trabalhos entre relatos de experiências e estudos científicos. Reconhecendo a importância do diálogo entre diferentes saberes, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, convidou importantes movimentos sociais, inseridos na luta pela justiça ambiental, como parceiros dessa construção.
Avaliamos que a violação dos direitos à vida digna tem sido acelerada e aprofundada pela inserção subordinada do Brasil na ordem capitalista internacional, na medida em que ecossistemas e territórios de vida das populações são abertos para a espoliação dos bens comuns, da biodiversidade e do trabalho por grandes corporações nacionais e transnacionais, produtoras de commodities agrícolas e minerais. O Estado se volta para disponibilizar financiamentos e infra-estrutura para o lucro destes empreendimentos, além da modificação e flexibilização de legislações ambientais e territoriais como o Código Florestal, a demarcação de terras indígenas (PEC 215), o marco regulatório da mineração e o licenciamento ambiental. Mais ainda, o Estado assegura a legitimação simbólica deste modelo de desenvolvimento, pretensamente justificado pelo “progresso” e pela geração de empregos.
Nesse contexto, expande-se a produção de soja, agrocombustíveis, carnes, celulose, frutas, minério de ferro e aço, entre outros produtos de baixo valor agregado, que demanda energia de várias fontes, tais como hidro e termoelétrica, nuclear, eólica e de petróleo. Estes processos produtivos geram grandes impactos que atingem especialmente comunidades tradicionais e etnias, como também grupo urbanos, produzindo numerosos e violentos conflitos territoriais em torno do acesso, do uso e apropriação da terra e bens da natureza, ameaçando suas diversas formas de reprodução da vida.
Como agravante, o privilégio atribuído aos direitos de propriedade em detrimento da vida e dos direitos humanos, ao invisibilizar comunidades, territórios, culturas e valores que se contrapõem aos interesses do mercado, compromete as possibilidades de soberania dos povos e de emancipação social.
Estas desigualdades e injustiças ambientais compõem a determinação social do processo saúde-doença que se manifesta em perda da soberania e segurança alimentar e hídrica, contaminação da água, do ar e do solo, além de produzir doenças como câncer, malformações congênitas, intoxicações, agravos pulmonares e neurológicos, tristeza, depressão, suicídio e assassinatos.
Estas questões trazem elementos para a crítica aos paradigmas e racionalidades hegemônicos da biomedicina, da biotecnologia e da epidemiologia clássica, e o resgate e atualização do debate teórico e político que fundou a Medicina Social Latino Americana e a Saúde Coletiva. Neste sentido, a Saúde & Ambiente vem tendo um rico diálogo com vários campos de conhecimentos e práticas, e avança tanto na compreensão do modelo hegemônico de desenvolvimento econômico como de alternativas de produção de conhecimentos que incorporem as populações e movimentos sociais como sujeitos coletivos, com seus saberes e projetos de sociedade.
O 2º SIBSA constituiu-se num espaço importante de experimentação do diálogo entre os saberes de pesquisadores e profissionais da Saúde & Ambiente com sujeitos dos territórios afetados por conflitos ambientais e movimentos sociais. Essa pedagogia, alimentada também por experiências como o III Encontro Nacional de Agroecologia, está ancorada numa práxis que articula representantes de movimentos sociais na comissão científica e na comissão organizadora, e no instigante Fórum de Diálogos de Saberes. Lógica que passou também pela programação cultural e por parcerias com movimentos como a justiça ambiental, a agroecologia, a economia solidária, soberania alimentar, os direitos humanos e o feminismo.
Esse processo possibilita instigar pesquisadores, professores, militantes sociais e profissionais de saúde a adotarem novas práticas de produção de conhecimento e de vigilância em saúde, fortalecendo as lutas associadas aos conflitos ambientais.
O Estado brasileiro não tem formulado politicas públicas que respondam às necessidades decorrentes desse cenário. Deste modo, podemos identificar os seguintes problemas: insuficiência dos investimentos que garantam serviços públicos de qualidade; baixa qualidade da oferta e falta de acesso aos serviços públicos básicos de forma universal e intersetorial; serviços prestados por trabalhadores em sistema de vínculos precários e alianças com a iniciativa privada expressa nos diversos modos da privatização dos serviços públicos.
O contexto da acumulação por espoliação e seus impactos, ocultado sob o manto do mito do desenvolvimento, se caracteriza pela desigualdade na distribuição do bônus e ônus do progresso.
O 2° SIBSA reafirma que a ciência emancipatória exige uma estreita articulação entre os saberes produzidos na academia e aqueles oriundos nos diversos grupos e movimentos sociais. Convocamos todos a se organizarem em resistência a este modelo e em defesa de políticas públicas que garantam direitos humanos e a vida.
Belo Horizonte, 22 de outubro de 2014.
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Ambiental CIPS Violações

PERNAMBUCO E OS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

Por Heitor Scalambrini Costa, professor da Universidade Federal de Pernambuco e da coordenação do Fórum Suape
Em Pernambuco, o mais mesquinho dos egoísmos é como o governo tem tratado mal a questão ambiental e descuidado da qualidade de vida de sua população, pois não protege a natureza e nem respeita as pessoas. Aqui impera o racismo ambiental.
O crédito público associado às isenções e aos incentivos fiscais e financeiros são armas poderosas que poderiam ser usadas para induzir um novo tipo de comportamento, exigindo integral e verdadeira responsabilidade social das empresas que viessem a se instalar no Estado. Quase a metade do crédito, todo de longo prazo e módicos juros, vem de bancos públicos muitas vezes avalizados pelo governo estadual. Logo, se o governo quisesse, outra forma de desenvolvimento (humano e social) seria possível: bastava induzir boas práticas através de sua força econômica, mudando os incentivos.
Ao invés disso, o governo estadual é o maior promotor de conflitos socioambientais, como nas remoções forçadas dos moradores para as obras da Copa, provocando também degradação ambiental. Merece também destaque a violência praticada pela empresa pública Suape contra os moradores nativos do território abrangido pelo Complexo Industrial Portuário de Suape (CIPS), e o desmatamento local de Mata Atlântica, manguezais e restingas. Somente para citar dois exemplos.
Os primeiros quatro anos de gestão do ex-governador, agora candidato presidencial, foi uma verdadeira catástrofe ambiental, se caracterizando como um governo autoritário, com promessas ilusórias, sem dialogo com os setores da população (quem participou dos seminários do Todos por Pernambuco sabe bem como funcionou), desconsiderando completamente as argumentações daqueles que ousaram apontar as mazelas que estavam ocorrendo em função do crescimento econômico desordenado e predatório, particularmente com relação ao território do CIPS. O autoritarismo aliado à completa falta de dialogo distanciou a gestão estadual dos movimentos sociais.
Foram inúmeras medidas desastrosas adotadas em nome do crescimento econômico, obedecendo a uma mentalidade que tem base na visão ultrapassada do “crescimento a qualquer preço”, ignorando a dimensão sócio-ambiental. O mais lamentável foi o Projeto de Lei Ordinária no 1496/2010 (17 de março) enviado pelo executivo a Assembléia Legislativa (Alepe) referente à maior supressão de mata nativa já ocorrida em Pernambuco (e talvez no Nordeste). Inicialmente previa desmatar cerca de 1.076 hectares (equivalentes a 1.000 campos de futebol) de vegetação nativa em áreas de preservação permanente para obras de ampliação do CIPS. Após pressão e indignação popular este montante foi reduzido para 691 ha (508 de mangue, 166 de restinga e 17 de Mata Atlântica).
A aprovação ocorreu mesmo com o parecer contrário da Comissão de Meio Ambiente da Alepe, que já questionava a supressão dos 88,7 ha de mangue e restingas entre 2007 e 2008, cujas compensações ambientais não haviam sido cumpridas pela empresa Suape, que por sucessivos anos desdenhou do Ministério Público, assinando Termos de Ajustes de Condutas (TAC´s) que não foram respeitados.
Outro empreendimento, em nome de um crescimento econômico a cada dia mais questionado, que resultou na agressão ao que ainda resta da vegetação da Mata Atlântica (somente 3,5%), foi à implantação e pavimentação do contorno rodoviário do município do Cabo de Santo Agostinho, a chamada “Via Expressa”. Dos 11,8 ha suprimidos, 2,6 ha estão localizados em áreas de preservação permanente.
Outra decisão também equivocada na área ambiental, que mostra claramente a inequívoco desprezo pelo meio ambiente e pelas pessoas, foi à opção por tornar Pernambuco um pólo de termoelétricas consumidoras de combustíveis fosseis (o vilão do aquecimento global). A tentativa de trazer para o Estado a maior (e a mais poluente) termelétrica a óleo combustível do mundo, anunciada pomposamente, em julho de 2012, como Suape III (1.450 MW), foi rechaçada pela sociedade pernambucana. Se tal construção fosse realizada, em pleno funcionamento iria despejar, segundo cálculos preliminares, em torno de 20 mil toneladas dias de gás carbônico (CO2). Todavia, a termoelétrica Suape II (320 MW), construída para ser acionada apenas em situações de emergência, funciona diariamente. Ainda na área energética/ambiental, merece destaque o interesse do governador, agora presidenciável, pela vinda da usina nuclear, anunciada inicialmente para o município de Itacuruba, a 512 km de Recife, no sertão, às margens do Rio São Francisco. Com uma biografia dessas na área ambiental, no seu segundo mandato o ex-governador tentou colorir de verde o seu governo. Para isso cooptou seu ex-adversário, candidato do PV a governador, oferecendo-lhe a recém-criada Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade.
Algumas ações foram possíveis, utilizando a figura pública do ex-secretario, que atuou e militou, até então, nas causas ambientais. Com o apoio intensivo da propaganda e do marketing político foi divulgado alguns projetos nesta área. Foram criadas reservas de proteção permanente “de papel”, foi lançado o projeto Suape Sustentável (que até agora não disse para que veio), dentre algumas medidas de caráter midiático. Além disso, foram abertas algumas portas para a projeção a nível nacional e internacional da figura do governador como amigo da natureza, já que a Conferencia Rio+20 se aproximava e se tinha que fazer algo pela imagem do governo na área ambiental.
De 13 a 15 de abril de 2012, aconteceu no Recife uma reunião denominada “Pernambuco no Clima” com o patrocínio do Governo Estadual, da Prefeitura do Recife e da Companhia Hidroelétrica do Rio São Francisco (CHESF). Este evento, como anunciado pelos seus organizadores, foi uma reunião preparatória do Rio-Clima (The Rio Climate Challenge), que ocorreria paralelo a Conferencia Rio +20, no Rio de Janeiro. Nesta reunião, como atestou à relação de participantes, a sociedade civil organizada ficou de fora. Marcaram presença entidades e personalidades com fortes vínculos com o governo nas três esferas, além de personalidades e cientistas nacionais e internacionais que contribuíram para avalizar o aspecto técnico do referido encontro.
Para tornar Pernambuco uma das sedes dos jogos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, não foram medidos esforços no comprometimento financeiro do Estado e na tomada de medidas socioambientais injustas. Segundo a Secretaria Geral da Presidência da República 1.830 desapropriações ocorreram, sendo 1.538 residências e 292 imóveis comerciais, terrenos, para as obras ligadas a Copa do Mundo de 2014. A truculência das expulsões e as irrisórias indenizações caracterizaram este triste e inesquecível episodio imposto pelo governo do Estado. Somente a construção da Arena Pernambuco e da Cidade da Copa resultou no desmatamento de uma área considerável do fragmento da Mata Atlântica no município de São Lourenço da Mata, situado a 20 km de Recife. O projeto previsto da Cidade da Copa (não executado) abrangeu uma área de 239 ha para construção de todos os equipamentos (prédios residenciais e um hospital). A Arena, única construção existente no local, ocupou cerca de 40 ha desse total.
Hoje a situação não mudou. O que era já planejado na época se concretizou com o lançamento do ex-governador como candidato a presidente. A ex-senadora e ex-ministra do meio ambiente do presidente Lula foi incorporada na chapa que disputará as eleições de outubro próximo. Algo de um pragmatismo exemplar na política brasileira diante das diferenças abismais entre os pensamentos e as ações de ambos em suas respectivas vidas públicas. Mas a politicagem brasileira sempre nos reserva surpresas.
A Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade segue não mãos do partido Verde. E este tem demonstrado o quanto é utilizado, dirigindo uma secretaria de quinto escalão. Problemas ambientais gravíssimos existem em todas as regiões do Estado, e a SEMAS segue o seu caminho.
Apesar das recentes promessas, que não são poucas, a chapa da “nova política” , como se denominam seus integrantes, não é confiável na área ambiental. Mais recentemente demonstrou total desrespeito a inteligência alheia, quando no dia mundial do meio ambiente (5 de junho) a população foi convocada, pelo agora defensor da natureza, o ex-governador pernambucano, a se manifestar através das redes sociais contra o “retrocesso ambiental” do governo federal. A convocação tinha sentido, mas não tinha quem a convocou.
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