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JEAN PIERRE LEROY: UMA VIDA DEDICADA AOS TERRITÓRIOS DO FUTURO

Alteridade, solidariedade e desejo de futuro: se fosse possível sintetizar as motivações de toda uma vida, seriam essas palavras que escolheria para definir não só a inspiração, mas também todo o legado político do filósofo, socioambientalista e educador popular Jean Pierre Leroy.
Ao tentar delinear aqui, cronológica e semanticamente, suas contribuições ao fortalecimento dos movimentos populares no Brasil – compromisso que orientou sua prática e seu pensamento, desde sua chegada ao país em 1971 – percebo que a defesa de um mundo mais comum e diverso desde sempre pautou sua maneira de pensar e agir.
A decisão de “enraizar-se junto aos oprimidos”1 que o inspirou a deixar definitivamente a França e fazer do Brasil o seu novo país, motivada pelaindignação com a estruturante desigualdade social brasileira, era movida também por um profundo desejo de conhecer e aprender com o que lhe era diverso. Talvez por isso tenha iniciado sua aventura nos trópicos pela Amazônia. Ou, inversa e dialeticamente, talvez tenha sido a Amazônia quem o mobilizou a engajar-se em lutas protagonizadas por sujeitos a quem o Estado e a sociedade nacional insistiam em manter invisibilizados.
Aquele início de atuação no Brasil coincide com um momento político em que uma multiplicidade de grupos historicamente vulnerabilizados inicia um processo de reivindicação pelo reconhecimento de suas múltiplas e distintas territorialidades. A partir da ditadura, amplia-se o cerco ao campesinato amazônico e às populações indígenas pela expansão da fronteira de acumulação sob a coordenação do Estado. A competição pelo controle do espaço e dos recursos naturais se acirra e impõe a esses grupos, a necessidade de construir estratégias de resistências e uma narrativa autônoma sobre si.
Trabalhando inicialmente com os pescadores de Salgado (PA), e depois, em Santarém e no Maranhão, com camponeses agroextrativistas, Jean Pierre logo engajou-se em processos que buscavam visibilizar suas identidades em face à negação de suas existências. Envolveu-se com a organização sindical dos trabalhadores rurais e teve um papel importante para a formação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na região. Ao percorrer a Amazônia oriental, conheceu de perto os efeitos da grilagem, da devastação ambiental e da violência em regiões onde a fronteira da acumulação se expandia e tornou-se um profundo conhecedor das gentes e de seus modos de fazer e (re) criar seus territórios.
Quando se mudou para o Rio de Janeiro, já como coordenador da FASE, trazia consigo a experiência e o compromisso adquirido nos anos de trabalho com o campesinato amazônico. Atuando nacionalmente, visitou outras regiões e foi capaz de estabelecer conexões e compreender os mecanismos de espoliação que sistematicamente negavam aos grupos historicamente vulnerabilizados – negrxs, pobres, índios, populações tradicionais, faveladxs, migrantes, sem terra/teto – o papel de sujeitos políticos.
Em meio a repertórios de legitimação2 dados pela abertura democrática e a emergência de uma preocupação global com o meio ambiente, Jean compreendeu os marcos e possibilidades de ação postos pela conjuntura e, sempre apostando na atuação coletiva, passou a incidir criticamente sobre a questão ambiental. “O meio ambiente é cultural e histórico”, dizia. “Ele representa a base material que garante não só a existência do modo de vida urbano industrial, mas de modos de vida diversos”. Com ele aprendi a compreender os diferentes significados que os recursos ambientais têm e entender o sentido das lutas ambientais empreendidas por sujeitos que sistematicamente se veem privados dos recursos de que dependem para viver. Aprendi também que essas lutas não dizem respeito apenas a quem as protagoniza, mas são centrais para a luta ambiental mais geral e para o fortalecimento da democracia.
Jean Pierre compreendia não apenas os sentidos múltiplos que a experiência social empresta aos recursos naturais como a potência política e emancipatória que essa multiplicidade de sentidos possui para a crítica mais ampla ao desenvolvimento e sua premissa etnocêntrica de que há uma trajetória única a ser trilhada por todas as sociedades. Premissa que, no Brasil – e em tantas partes do sul global –, significou a consolidação de um modelo de desenvolvimento que se reproduz ampliando as desigualdades sociais ao destruir as bases materiais (portanto, o meio ambiente) que garantem a manutenção de nossa sociodiversidade e a qualidade de vida nos campos, nas florestas e nas cidades.
Ainda como coordenador da FASE acolheu a proposta que deu as bases para a constituição do movimento agroecológico e a criação da Articulação Nacional de Agroecologia. Em 1992, participou da coordenação do processo de incidência da sociedade civil na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. Processo que depois daria origem ao Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Nos anos 2000, engajou-se na constituição dos movimentos por justiça ambiental no Brasil e foi cofundador da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Nesse período, aceitou o desafio de assumir a Relatoria para o Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma Dhesca Brasil. Com coragem, denunciou vários mecanismos de produção de injustiças ambientais, cobrando do Estado maior controle sobre o poder corporativo, promoção de equidade ambiental e garantia de acesso a políticas públicas a sujeitos que tinham seu direito ao meio ambiente sistematicamente violado. Percorreu o país denunciando a grilagem de terras no Pará que submetia populações agroextrativistas a violência, a apropriação privada da zona costeira nordestina pela carcinicultura e pelo turismo e a consequente expulsão de pescadores artesanais e outras populações extrativistas do acesso comum às praias e manguezais. Solidarizou-se com a luta dos Cinta Larga pela demarcação e proteção de suas terras em face ao garimpo ilegal. Esteve junto aos/às trabalhadores/as da região metropolitana do Rio de Janeiro denunciando com eles a injustiça ambiental a que são submetidos pela ausência de saneamento e acesso à água potável e pela instalação de indústrias poluentes e de depósitos de rejeitos em suas áreas de moradia e trabalho.
Na última década, aproximou-se do debate sobre os Bens Comuns e passou a resignificar as lutas em defesa da sociodiversidade, da sustentabilidade ambiental e da garantia de direitos a que dedicara toda sua vida. Com a coerência que lhe era tão própria, renovou seu pensamento para torná-lo ainda mais potente. Em meio a um processo de crescente mercantilização da vida e das relações sociais, chamava-lhe cada vez mais atenção processos instituintes de modelos e paradigmas alternativos ao capitalismo, pautados pela produção e defesa de bens tornados comuns, mantidos desmercantilizados pelas práticas sociais/econômicas e por escolhas políticas. Com entusiasmo, acompanhava as mobilizações contra a privatização de serviços públicos e recursos naturais, as propostas de ocupação e resignificação de espaços públicos, os movimentos pelo acesso livre ao conhecimento e pela sua construção compartilhada (a exemplo dos movimentos de softwares livres, de mídia livre etc) e as lutas identitárias pelo reconhecimento de territorialidades específicas, referidas ao uso comum da terra e de recursos naturais, que sempre lhe foram caras. Valorizava-as pela capacidade que possuem de instituir/valorizar sistemas sociais e jurídicos para administração compartilhada de recursos de uma maneira justa e sustentável. Passou a refletir sobre as dimensões não mercantis dessas experiências, identificando suas conexões e, sobretudo, o caráter emancipatório em face às novas formas de cercamento e privatização relacionadas à expansão contemporânea do capitalismo. Essa abordagem deu um sentido ainda maior ao papel que sempre acreditou que os excluídos do desenvolvimento – aqueles com quem havia trilhado sua própria caminhada – tinham na construção dos “territórios do futuro”.
E foi mirando o futuro que Jean nos deixou em novembro de 2016. Ao terminar essa narrativa tenho a sensação de que não cheguei senão à superfície de sua trajetória. Tudo o que fui capaz de dizer sobre ele não é nada além do que pude aprender com ele. De todas as lições, talvez a mais cara tenha sido a convicção que orienta minha própria trajetória de que o futuro depende da aposta que faremos hoje em manter e tornar o mundo cada vez mais comum e diverso.
Julianna Malerba
Abril de 2017
1| Confere Jean Pierre, um mestre das lutas sociais, em https://redejusticaambiental.wordpress.com/2016/11/11/jean-pierre-u…
2| Tomamos emprestada de Bruce Albert essa categoria para nos referir aos sistemas de normas legais e valores simbólicos dos protagonistas que dominam o espaço de disputa em face às quais as estratégias dos grupos subalternizados têm de ser elaboradas. Confere: ALBERT, Bruce.Territorialidad, etnopolítica y desarrollo: a propósito del movimiento indígena en la Amazonía brasileña. In: SURRALES, A. y Hierro, P. Tierra Adentro. Território Indígena y percepción del entornoIWGIA, Documento n° 39. Copenhage, 2004, pp. 221-258.
Você pode ver aqui mais informações de sua passagem: 
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Ambiental Artigo Desenvolvimento Desigualdade

PIB, CONCEITO ULTRAPASSADO

Ladislau Dowbor

Por Ladislau Dowbor
A divulgação da pesquisa sobre Indicadores de Progresso Social 2014 (IPS) [leia o relatório principal, o resumo e a metodologia] vem agregar peso à transformação de como calculamos os resultados econômicos e o desenvolvimento. Sem ser economistas ou entender de contas nacionais, muitos já se perguntam há tempos como casam no Brasil os imensos avanços sociais e econômicos que vivemos, além um desemprego que é o menor da história, com taxas modestas de crescimento PIB, tão atacado como “pibinho”. É que a cifra que tanto encanta a mídia, o PIB, simplesmente não mede o que queremos medir, que é o progresso, ou em todo caso o reflete de maneira muito parcial.
A iniciativa da ONG Social Progress Imperative é um refresco, ao medir o que importa, ao fazê-lo de maneira sistemática, com metodologia clara e que permite comparabilidade. Depois da edição experimental e limitada de 2013, a de 2014 cobre 132 países, com correções e ajustes. Publicada em dois volumes, um de resultados e análises por país, e outro de metodologia, a pesquisa constitui um aporte significativo para a compreensão das transformações que vivemos.
É verdade que esta iniciava vem apenas reforçar metodologias como o Happy Planet Index, o Genuine Savings Indicators, o FIB (Felicidade Interna Bruta) e sobretudo o movimento Beyond GDP na União Européia. Mas a contribuição de nomes como Michael Porter, da Universidade de Harvard e de outras instituições de peso, vai materializando a nossa lenta evolução para medidas que façam sentido. O apelo mundial para irmos além do PIB, lançado neste sentido há alguns anos por Joseph Stiglitz, Amartya Sen e Jean-Paul Fitoussi, dos quais os autores do IPS se declaram devedores, está dando frutos.
O teórico da iniciativa, Patrick O’Sullivan, vai direto ao assunto: “É realmente indefensável continuar a usar o PIB como se de alguma forma medisse o bem estar, e é confortante se dar conta que o próprio Kuznets, o pai fundador da medição sistemática do PIB, já nos tenha alertado que “o bem-estar de uma nação dificilmente pode ser inferido da medida da renda nacional” (Met.26) Este ponto de partida define a filosofia do esforço empreendido.
“Tornou-se cada vez mais evidente que um modelo de desenvolvimento baseado apenas no desenvolvimento econômico é incompleto. Uma sociedade que deixa de assegurar as necessidades básicas, de equipar os cidadãos para que possam melhorar a sua qualidade de vida, que gera a erosão do meio ambiente, e limita as oportunidades dos seus cidadãos não é um caso de sucesso. O crescimento econômico sem progresso social resulta na falta de inclusão, descontentamento, e instabilidade social. Um modelo mais amplo e mais inclusivo de desenvolvimento requer novas medições, com as quais os que gerem as políticas e os cidadãos possam avaliar a performance nacional. Temos de ir além de simplesmente medir o Produto Interno Bruto per capita, e tornar a medição social e ambiental parte integrante de como medimos os resultados”.(11)
Este enfoque permite organizar os indicadores em torno aos interesses reais das pessoas. O índice, no seu conjunto, busca responder a três questões: (26)
  1. O país assegura as necessidades mais essenciais da sua população?
  2. Os fundamentos básicos que permitam aos indivíduos e às comunidades alcançar e sustentar o seu bem estar estão assegurados?
  3. Há oportunidades para todos os indivíduos alcançarem os seus plenos potenciais?
Para nós no Brasil este enfoque menos centrado no crescimento econômico e diretamente dirigido ao bem estar da população é de uma grande ajuda. Em torno a estes três grandes eixos, o IPS apresenta indicadores básicos, quatro por eixo, que são por sua vez desdobrados em 54 indicadores mais detalhados. Conseguiram cifras razoavelmente confiáveis para 132 países, o que torna o IPS um complemento útil inclusive para o sistema básico das Nações Unidas, os Indicadores do Desenvolvimento Humano (IDH), que acrescenta aos dados tradicionais da renda indicadores de educação e de saúde.
Um outro elemento metodológico importante é que o IPS busca indicadores de resultados, não de insumos (outcome index, not inputs). Ou seja, um país que investe muito em saúde construindo hospitais de luxo e priorizando a saúde curativa, em termos de investimentos está realizando um grande esforço (inputs), mas os resultados (outcomes) serão pífios em termos de população saudável. E se trata de medir este último objetivo.(Met.5) A cidade de São Paulo gastou rios de dinheiro em viadutos, túneis, elevados e automóveis particulares com o resultado de paralisar a cidade. Esta paralisia, ao gerar mais custos para todos (inputs), aumenta o nosso PIB. Seguramente não o outcome queremos, que é a mobilidade urbana. Medir pelo enfoque dos resultados é muito importante.
Em termos metodológicos ainda, é natural que haja discussões sobre a objetividade na escolha dos indicadores. Patrick O’Sullivan (Universidade de Grenoble e de Varsóvia) apresenta aqui, no volume de Metodologia, um excelente artigo teórico sobre os indicadores e os seus limites. Os vieses são honestamente assumidos: “Vamos assumir abertamente que esta posição (do relatório) apoia-se em fundamentos que constituem certos juízos de valor normativos, que deixaremos explícitos e transparentes, e mostraremos, por mais chocante que este uso explícito de um discurso normativo possa parecer, a pesquisadores de ciências humanas orientados para o positivismo, que na realidade toda ciência humana é irremediavelmente carregada de valores de qualquer modo.” (Met. 25)
No Brasil, este realismo quanto aos valores implícitos, apoiado nas visões de Gunnar Myrdal, nos ajudaria bastante, frente à deformação sistemática das análises sobre os avanços do país na mídia comercial. Mas este alerta deve ser observado inclusive para os dados do IPS: por exemplo, os dados relativos à propriedade privada são, neste relatório baseados na fonte da Heritage Foundation, um Think Tank da velha direita norte-americana, que seguramente consideraria a nosso Constituição, com a sua visão da função social da propriedade, como subversiva. O enfoque adotado, por exemplo, permite jogar para baixo o IPS da China, que é o país que de longe tirou mais pessoas da pobreza no planeta – cerca de dois terços da redução mundial. Aqui a carga de valores é realmente explícita.(106)
Os resultados da pesquisa
Na parte da análise dos resultados, uma das tendências mais interessantes mostra uma forte correlação entre o aumento do PIB e a melhoria na área das necessidades básicas, (no caso nutrição, água e saneamento, habitação e segurança) mas apenas para os mais pobres: “As necessidades humanas básicas melhoram rapidamente quando o PIB per capita aumenta, nos níveis baixos de renda, mas depois (a tendência) se torna mais horizontal (flattens out) à medida que a renda continua a aumentar”. (54)
Para nós isto é muito importante, pois mostra que o aumento de renda nos extratos mais pobres melhora radicalmente o progresso social em geral. Em outros termos, o dinheiro que vai para a base da sociedade é muito mais produtivo em termos de resultados para a sociedade, o que bate plenamente com as pesquisas do IPEA sobre a produtividade dos recursos. As pesquisas da ONU sobre o IDH chegam à mesma conclusão: “Rendimentos mais elevados têm uma contribuição declinante para o desenvolvimento humano”. O New Economics Foundation (NEF) de Londres chega à mesma conclusão, ao analisar o “retorno social sobre o investimento” (SROI – Social Return On Investment), e considera que a adoção desta metodologia “é particularmente oportuna quando as organizações estão buscando tornar cada libra render o máximo possível”. (NEF, 2009) Estamos aqui no centro do problema da baixa produtividade econômica gerada pela concentração de renda, confirmando os efeitos multiplicadores que gera a redistribuição, inclusive para o próprio PIB.
Centrar-se no progresso social, ou seja, no resultado que queremos efetivamente para a nossa vida, e não no PIB, permite por sua vez evitar deformações flagrantes que o IDH atenua apenas em parte. Assim países exportadores de petróleo, como a Arábia Saudita, o Kuait e Angola, que pela exportação de recursos naturais aparecem com uma renda per capita elevada, mas não asseguram o bem estar que estes recursos deveriam gerar para a população, são aqui avaliados de maneira diferenciada, como under-performers, ou seja, países com um crescimento distorcido. Por outro lado, constata-se a alta correlação entre o PIB e o indicador de acesso à informação e comunicação, “amplamente baseado no fato que o acesso à telefonia móvel e à internet está ligada à capacidade aquisitiva do consumidor”.(59)
Para nós esta dimensão é importante para pensar e contabilizar a contribuição das exportações primárias: qual é a sua produtividade social real, em termos de geração de empregos, de impactos ambientais, de retenção ou expulsão de mão de obra para as cidades como por exemplo no caso da pecuária extensiva? A visão geral do relatório é que “de modo geral, países ricos em recursos têm mais propensão a ter uma baixa performance em termos de progresso social, relativamente ao seu PIB per capita”.(53)
Na análise igualmente, o texto apresenta uma forte correlação entre os indicadores IPS e outras pesquisas baseadas em avaliações de percepção de qualidade de vida pelas pessoas: “Há uma relação altamente positiva e significativa entre a satisfação com a vida e o progresso social, e em particular na dimensão de Oportunidades.” (69) Outro dado significativo é que “o indicador de sustentabilidade ambiental é o que menos está relacionado com o PIB.” Os indicadores médios indicam uma forma de “U”, sugerindo que os pobres ainda não afetam o meio ambiente, enquanto os países na fase média de avanço econômico tendem a deteriorá-lo, passando a buscar a sua recuperação ao alcançar níveis de renda mais elevados. (59)
O Brasil na pesquisa
O Brasil aparece bem na foto. Importante lembrar que se trata apenas de uma foto, pois o índice é novo e não permite comparação no tempo, ou seja, a dinâmica da mudança. De qualquer forma, vale a pena dar uma olhada nos dados.
O Brasil ocupa o 46º lugar entre 132 países, com um índice médio geral de 69,957. A Colômbia ocupa o 52º lugar, México 54º. O PIB per capita brasileiro utilizado na pesquisa é de 10.264 dólares em valores de 2012. Os dados sintéticos para o Brasil são os seguintes:
Dados Sintéticos
Brasil (46º)
EUA (16º)
Argentina (42º)
PIB per capita (US$)
10.264
45.336
11.658
Score médio geral
69,957
82,77
70,59
Necessidades básicas
71,09
89,82
77,77
Fundamentos do Bem-estar
75,78
75,96
70,62
Oportunidades
63,03
85,54
63,38
Para ter uma referência, os Estados Unidos ocupam o 16º lugar, com um PIB de 45.336 dólares, e um índice médio geral de 82,77. Os dados sintéticos norte-americanos são muito desiguais, com respectivamente 89,82 para necessidades básicas, 75,96 para fundamentos de bem estar (praticamente iguais ao Brasil), fruto dos últimos trinta anos de neoliberalismo naquele país, e 85,54 em termos de oportunidades – índice puxado em particular pela expansão do acesso à educação superior, onde o Brasil é, pelo contrário, muito fraco. A Argentina, por sua vez, que ocupa o 42º lugar, tem um score geral de 70,59, um PIB per capita de 11.658 dólares, e apresenta no geral índices parecidos com os do Brasil. Detalhando um pouco para os 12 principais grupos de indicadores, temos a situação seguinte:
Nível dos 12 principais indicadores
Nível dos 12 principais indicadores
Brasil
EUA
Argentina
Nutrição e cuidados básicos de saúde
92,02
97,82
94,62
Água e saneamento básico
81,64
95,77
95,65
Habitação
73,20
87,99
60,75
Segurança pessoal
37,50
77,70
60,07
Acesso ao conhecimento
95,43
95,10
94,53
Acesso à informação e comunicação
67,69
81,33
69,54
Saúde e bem estar
76,05
73,61
70,56
Sustentabilidade
63,94
53,78
47,83
Direitos da pessoa
74,94
82,28
66,55
Liberdade pessoal
69,38
84,29
73,61
Tolerância e inclusão
61,77
74,22
64,53
Acesso à educação superior
38,09
89,37
48,83
Impressionante os Estados Unidos, com um PIB quatro vezes e meia maior do que o Brasil, terem um indicador de saúde e de bem estar (esperança de vida, morte por doenças entre 30 e 70, taxas de obesidade, mortes por poluição do ar, taxa de suicídios) significativamente pior do que o Brasil. Situação pior ainda em sustentabilidade, devido em particular à massa de emissões de gazes de efeito de estufa, uso da água além das reservas e redução de biodiversidade e habitat natural. A Argentina, aliás, fica pior ainda neste quesito. Os itens críticos para o Brasil, naturalmente, são os de segurança, com 37,50 pontos, e de acesso à educação superior, com 38,09 pontos.
Na análise dos autores, “entre os países dos BRICS, o Brasil apresenta o perfil de progresso social mais forte e mais “equilibrado” (the strongest and most “balanced”). Apresenta alguma fraqueza em Necessidades Humanas Básicas (puxada pelo score muito baixo de 37,50 para Segurança Pessoal), mas apresenta uma performance consistentemente boa em todos os componentes tanto dos Fundamentos de Bem Estar como de Oportunidades, com exceção de Educação Superior (38,09, 76º).”(50)
Comparando com o conjunto dos BRICS, o relatório considera que “quatro dos cinco BRICS fazem parte do quarto nível, inclusive Brasil (46º) com um score de 69,97, África do Sul (69º) com 62,96, Rússia (80º) com 60,79, e China (90º) com 58,67. A Índia fica fora dos 100 primeiros em termos de progresso social, com um score mal superando 50. Os países da América latina estão bem representados no quarto grupo. Argentina 42º, Brasil 46º, e Colômbia, México e Peru colocados nos lugares 52º, 54º e 55º respectivamente”.(45)
No plano propositivo, ao comentar o Brasil, a análise sugere que “apesar do Brasil apresentar uma performance relativamente boa no componente Sustentabilidade do Ecossistema, precisa enfrentar questões ambientais urgentes, tais como a redução do desmatamento essencialmente frutos da especulação sobre o solo, da pecuária irregular, e de projetos de infraestruturas; o controle dos gases das emissões de gases de efeito estufa pelo setor industrial; e o acesso à eletricidade com tecnologias eficientes em termos de custos e ambientalmente amigáveis. |O Brasil tem cerca de um terço das florestas tropicais do planeta e pelo menos 20 por cento da biodiversidade do planeta. #Progresso Social Brasil tem focado os seus esforços iniciais na região amazônica.”(36)
Os dados completos por país estão nas páginas 85 e seguintes do relatório principal. Vejam a tabela geral dos indicadores utilizados, disponível na p. 28 do relatório principal:


Notas: No texto acima, colocamos entre parênteses as páginas do relatório principal, e quando se trata do volume sobre metodologia, colocamos o número da página com a menção “Met.” Os links dos documentos originais estão abaixo. Para se documentar quanto às novas metodologias veja no blog http://dowbor.org o artigo O Debate sobre o PIB.
NEF – New Economic Foundation, “Social Return on Investment”
http://www.neweconomics.org/blog/entry/a-turning-point-for-new-indicators-of-progress
Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e da UMESP, e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social”, “O Mosaico Partido”, pela editora Vozes, além de “O que Acontece com o Trabalho?” (Ed. Senac) e co-organizador da coletânea “Economia Social no Brasil“ (ed. Senac) Seus numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social estão disponíveis no site http://dowbor.org
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QUANDO O NEOCORONELISMO QUER SE VESTIR DE PARADIGMA

Por Edilson Silva 
Presidente do PSOL-PE

Há poucos dias o filósofo esloveno Slavoy Zizek esteve palestrando no Recife. Optou por apresentar suas ideias utilizando-se de muitos “causos”. Um deles me chamou mais a atenção. Em visita à China, teriam lhe dito por lá que não existia crise global da economia, mas tão somente no Ocidente. Entendi que os chineses que trataram com ele não se referiam apenas à economia do mundo ocidental, mas também à sua democracia, pois a conclusão que Zizek apresentou – não concordando com ela, claro -, é que o bom andamento das economias dentro dos marcos capitalistas na contemporaneidade está diretamente vinculado a menos democracia e a mais centralização de poder.

O “novo” capitalismo num mundo supostamente pós-ideológico não precisaria de democracia para se legitimar, mas apenas de metas de crescimento econômico e quando muito de níveis razoáveis de emprego e renda. Nada de metas sociais, claro. Cada um que adquira a sua no mercado.
Na condição de segunda maior economia do planeta e com previsões de superar os EUA nos próximos 15 anos, talvez os chineses coloquem-se mesmo na condição de uma espécie de novo paradigma, sobretudo para um provável ex-triunfante modelo capitalista ocidental. As portas entreabertas já deixam entrar, de novo, seus primeiros filetes de ventos fascistas na Europa e nos EUA, vide Tea Party.
Não é difícil perceber que não há condições de sobrevida e novo ciclo de “estabilidade” ao capitalismo pós-crise de 2008 sem atacar brutalmente um catálogo de direitos que vão desde aqueles que remontam às Revoluções Americana e Francesa, que dão contornos ao conceito de República, passando pelos direitos sociais e trabalhistas, oriundos ainda do século XX, até os conquistados e em fase ainda de aquisição neste século XXI, como os direitos difusos, ambientais, e também os direitos na realidade virtual, como liberdade e privacidade na rede mundial de computadores.
Está claro, contudo, que há controvérsias nessas possibilidades do capitalismo global em tentativa de reciclagem. Recentemente, em janeiro de 2013, a China precisou interditar uma centena de fábricas na região de Pequim e retirar 30% da frota de carros oficiais das ruas, pois o ar estava irrespirável e os hospitais não conseguiam atender à demanda de pessoas com doenças respiratórias. Ou seja, impeditivos objetivos da natureza.
E também como falar em atrofiamento da democracia e direitos no exato momento em que a realidade virtual das redes sociais aponta um sentido inverso, de transparência, de controle social, de participação popular? As linhas que dividem os conceitos e mesmo as formas concretas do usufruto da democracia naquilo que ela se relaciona dialeticamente com a liberdade são quase imperceptíveis e, logo, se por um lado pode-se falar em desnecessidade da democracia na legitimação política de um modelo vigente, por outro a questão da liberdade de ação política é um princípio sem o qual nenhum modelo se legitima e nem se estabiliza politicamente nestes dias. Tempos de muito conflito se avizinham, então.
Fiz este percurso inicial para adentrar naquilo que vem acontecendo politicamente em Pernambuco e mais especificamente no Recife após a vitória de Geraldo Júlio (PSB) à prefeitura. Os desmandos brutais em Suape, com uma CPRH (Companhia Pernambucana de Recursos Hídricos, responsável pelos licenciamentos ambientais naquele território) completamente submissa e ajoelhada perante interesses econômicos; e o que vem acontecendo agora em Recife, com seus muitos viadutos e túneis, arranha-céus, mudanças bruscas na estrutura do Estado, infiltrações em outros poderes, grilagem de terras urbanas utilizando-se mapas do tempo do império, passando-se por cima de tudo e de todos, dão conta de imaginar que o suposto paradigma chinês esteja fazendo escola por aqui.
Com slogans rápidos e que exigem zero capacidade de abstração dos ouvintes, o governador e os seus vão desconstruindo a nossa democracia e construindo na opinião pública um modelo de gestão supostamente vitorioso, em que a democracia é absolutamente desnecessária. “Trabalho, trabalho e trabalho”, bradava o prefeito do Recife, ainda no andor do governador, quando de sua posse. “Recife tem pressa para entrar no ritmo de Pernambuco”, repetiam bovinamente vários vereadores antes da posse do novo prefeito, para aprovar projetos e autorizações prévias à futura administração, abrindo mão inclusive de prerrogativas do legislativo. “Geração de emprego e renda” é o mantra que mais justifica qualquer ação do poder público em parceria desavergonhada com o privado. Em meio à desconstrução da nossa ainda pouca cultura democrática e republicana, vai-se também aplicando um sofisticado programa de privatização na saúde, de abandono da educação pública e assédio moral brutal sobre os operadores da segurança pública. A meritocracia está no centro nevrálgico deste modelo, cumprindo um forte papel ideológico e colocando no universo do obsoleto conceitos como solidariedade e universalização de direitos e serviços públicos.
O governador Eduardo Campos parece não só orgulhoso de sua obra em construção (vai até lançar um livro sobre o seu modelo de gestão), mas também bastante consciente de seu papel e de seu potencial. Desde 2011 vem pavimentando o caminho para ser o preferido das maiorias artificiais no Brasil pós Lula. Mais slogans: “Um novo caminho para um novo Brasil”. “O Brasil pode mais!”. Só falta dizer, e dirá: O Brasil precisa entrar no ritmo de Pernambuco! É candidatíssimo à presidência, tem pressa, e sabe que só tem chances de “fazer bonito” se adquirir a confiança dos grandes conglomerados empresariais nacionais e internacionais, que por sua vez sabem que para sobreviver enquanto tal precisam ingressar no modus operandi chinês.
O governador de Pernambuco viu e vê esta vaga aberta ao perceber um PT incapaz de encabeçar a tarefa de reciclagem além da epiderme do capitalismo brasileiro, incapacidade pela natureza histórica e base social deste partido. Neste sentido, o PT já está praticamente batendo no teto em sua capacidade de enfrentamento com sua bonita história antes de chegar ao Planalto Central, já fez seu melhor na manutenção estrutural do status quo. E o governador e presidente nacional do PSB também percebeu a absoluta falta de viabilidade eleitoral do PSDB no curto prazo, tanto pela percepção da opinião pública de que o PSDB é uma velha direita que fez oposição visceral a governos que trouxeram sensação de bem estar e de mobilidade social para amplas parcelas sociais, mas também porque seu melhor candidato, Aécio Neves – que também já percebeu a natureza autoritária que o capitalismo precisa assumir para se reinventar e ter novo impulso no Brasil -, não possui uma biografia pessoal adequada para manejar os setores conservadores que precisarão ser parte da base social fundamental de sustentação deste potencial novo regime, ou seja, uma nova e também reciclada direita.
Ter bem claro o papel e o alcance das estratégias que tem nosso Estado e nosso município como laboratório neste processo é condição sine qua non para levarmos adiante uma resistência popular coerente e uma acumulação política na direção correta. Não se trata de fazer apenas “oposição por dentro destes governos”, como tentam ingenuamente ou malandramente alguns; nem de se circunscrever a lutas pontuais ou meramente eleitorais, pois este novo paradigma em gestação poderá mesmo lidar com práticas supostamente libertárias pulverizadas e sem perspectiva real de instalar um outro conceito de poder público. Há que se combater implacavelmente este conceito essencialmente e inescapavelmente autoritário por um lado, e construir firmemente por outro uma alternativa política a isto, pela esquerda, socialista e contra este capitalismo selvagem que se agiganta ante nosso nariz. Sem isto, podemos correr o risco de ficar como que atirando pedras na lua, sem transformar nossa saudável rebeldia, nossas energias e nossa consciência em ação transformadora da realidade.
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