Mercê é uma palavra originária do português arcaico e significa favor, graça, benefício, perdão, indulto. Este último significado é especialmente relevante para a história de Nossa Senhora das Mercês, pois significa libertação. Acreditando que apenas com a intervenção divina seria possível romper com a opressão, moradores de 28 comunidades nativas, formadas por descendentes de quilombolas, de pescadores, de indígenas e de pequenos agricultores procuraram o arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido, para denunciar uma série de violações de direitos humanos, de destruição da natureza e de capelas católicas no Complexo Portuário e Industrial de Suape e região.
Confiantes na proteção de Nossa Senhora das Mercês, que veio para libertar da escravidão, os representantes das 213 famílias impactadas pelo empreendimento de Suape acolheram na manhã desta quinta-feira, 28/12, dom Fernando Saburido e sua comitiva, ao lado da capela de Nossa Senhora das Mercês, no Quilombo das Mercês, em Ipojuca. Mostrando que está atento aos clamores do povo, o arcebispo metropolitano veio acompanhado do monsenhor Josivaldo Bezerra, vigário Episcopal do Cabo, do padre Josenildo Tavares, das Pastorais Sociais, do Frei Carlos, pároco da paróquia de São Miguel Arcanjo e dos coordenadores da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese, Antônio Carlos Maranhão e padre Fábio Santos. Também participaram da reunião o secretário de governo do município de Ipojuca, Romero Sales, Eduardo Figueiredo, representando o secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos Pedro Eurico, o deputado estadual Edilson Silva, Nivete Azevedo, do Centro das Mulheres do Cabo e Bete Teixeira, do Fórum Suape – Espaço Socioambiental.
O encontro teve início com a visitação à capela de Nossa Senhora das Mercês, localizada na extinta Usina Salgado, que abrangia 18 engenhos de cana-de-açúcar na região. Em seguida, dom Fernando presidiu uma celebração da Palavra e escutou os relatos dos moradores, que reforçaram as denúncias de violenta perseguição por parte da administração do Complexo de Suape e da silenciosa destruição do meio-ambiente.
A pescadora Marinalva Maria da Silva, de 51 anos, nascida nas Mercês e que já trabalhou na lavoura de cana de açúcar, conta que o rio Tatuoca foi aterrado, provocando o desaparecimento das ostras, camarão, sururu e mariscos. “Há oito anos a administração de Suape prometeu a construção de uma ponte sobre o rio e não realizou a obra. Com o rio bloqueado, os mangues secaram e os pescadores não conseguem coletar nem pescar para o seu sustento. Antes nós pescávamos camarão Vila Franca, que podia ser revendido por R$50,00 o quilo”, narra emocionada.
O deputado estadual Edilson Silva lembrou aos presentes que já acompanha a grave situação destas famílias e após três audiências públicas, não se vê ação do poder público que favoreça as comunidades. O líder comunitário do Quilombo das Mercês, Magno Araújo, que também reside no local, destacou que as famílias que possuem veículos são obrigadas a pagar pedágio para se deslocarem e denunciou a devastação ambiental que a região vem sofrendo, como a extinção de cavalos marinhos e meros nos mangues e rios. Dom Fernando convidou Antônio Carlos Maranhão, presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese para a formar um grupo de trabalho em parceria com a OAB-PE, buscando estudar o caso das comunidades. Como conclusão, o encontro apontou outra medida urgente: o arcebispo metropolitano vai redigir uma carta ao governador de Pernambuco, solicitando que atenue as perseguições contra os moradores nativos de Suape, permitindo que os mesmos façam reformas e manutenção nas suas moradias.
Acompanhado pelo líder comunitário do Quilombo das Mercês, dom Fernando visitou a casa de uma família do Quilombo e constatou o precário estado de conservação do imóvel, que estava todo escorado com estacas, sob o iminente risco de desabar.
Ipojuca, segundo estudos da Fundação Joaquim Nabuco, era o município pernambucano que concentrava o maior número de escravos do estado. Com o advento do Complexo Portuário e Industrial de Suape, a partir dos anos 1970, empreendimento gerenciado pelo governo estadual, a cultura canavieira e toda as suas relações de interação com a terra, o homem e a natureza passaram a ser substituídas por outro modelo de desenvolvimento. Dentre eles, destacam-se a construção de refinarias de óleo e de derivados de petróleo, indústria metal-mecânica, indústria química, estaleiros para a construção de navios e operações de carga e descarga de contêineres.