Por Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social
(Publicado No Diario de Pernambuco em 31/3)
Recentemente, foi lançado em Pernambuco, o Fórum Permanente de Discussões sobre o Complexo de Suape. À sua frente, a militante do movimento feminino do Cabo Nivete Azevedo e o professor da UFPE Heitor Scalambrini. Trata-se de iniciativa que ajuda a preencher o vazio na iniciativa do governo estadual, que já tem 4 décadas, de discussão com as partes interessadas (stakeholders) acerca da obra. Sobre isso, em abril de 1975, liderei um grupo de cientistas pernambucanos – Vasconcelos Sobrinho, Nelson Chaves, José Antonio Gonsalves de Mello, Renato Carneiro Campos (tio do governador Eduardo Campos), Renato Duarte e Roberto Martins – que contestava o projeto e pedia que ele fosse discutido. Expusemos isso em documento publicado num dia por semanário da época, o Jornal da Cidade e, no dia seguinte, pelos demais jornais recifenses. Nunca a sugestão foi ouvida. O resultado é visível.
Como diz, com razão, documento do novo fórum, a intervenção estatal em Suape “tem sido caracterizada pela violência na retirada das famílias moradoras sem que indenizações justas sejam pagas, e nem novas moradias disponibilizadas, levando estes moradores a se tornarem sem teto, e famílias a viverem precariamente nas cidades localizadas em torno do Complexo”. Essa é uma situação cuja dimensão de calamidade só se percebe conversando com pessoas que passam pelo calvário em que se transformou para elas a truculência do Estado em face de cidadãos ordeiros. Mais incrível é a facilidade com que se martiriza gente humilde, esmagando-a com artifícios jurídicos para que abandone suas casas, seus meios de vida, sua história, seu pertencimento a um território muitas vezes ancestral. É incisivo sobre o tema, o documento do Fórum Permanente de Suape: “Sem dúvida, para a manutenção de padrões sociais dominantes desde o período colonial, os poderes constituídos (executivo, legislativo e judiciário) fecham os olhos para a violação dos direitos destas populações invisíveis à sociedade”.
A mesma realidade foi constatada pela ONG Both ENDS, incumbida pelo governo dos Países Baixos, de onde procede, de averiguar a (ir)responsabilidade social de uma empresa holandesa, a Van Oord, que faz dragagem no porto desde 1995 e que recebe apoio do governo holandês para isso. Fui procurado pelo experiente antropólogo ambiental da Both ENDS Wiert Wiertsema em agosto de 2012 para falar sobre Suape. Disse-lhe que fosse ver com seus olhos o que estava acontecendo; que conversasse com gente de lá. Ele ficou alarmado com a situação (ver http://www.bothends.org/uploaded_files/document/130222_Report_Suape…). Falou com pessoas demolidas na sua integridade, como o agricultor Luís Abílio, de Tiriri, um estóico trabalhador de 87 anos, expulso de casa por integrantes da aterradora Tropa de Choque. Infelizmente, essa dureza insana é jogada contra pessoas desprotegidas. Ao mesmo tempo, a elite se diverte construindo, como em Apipucos, um edifício na beira do Capibaribe, contra todo bom senso e a necessidade de proteção às margens de rios. É uma desigualdade infinita.