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Direitos humanos SUAPE Violações

Missão da Plataforma Dhesca identifica conjunto de violações de direitos humanos e ambientais pelo Complexo Suape

Relatório com série de recomendações sobre o Complexo Industrial Portuário será produzido e divulgado à sociedade e autoridades em até 90 dias.
*Por Paulo Lago, assessoria de comunicação do Cendhec.
O Complexo Industrial Portuário foi instalado em 1975 e ampliado a partir dos anos 2000. Foto: Fórum Suape
Entre os dias 7 e 11 de maio, a Plataforma de Direitos Humanos – Brasil Dhesca esteve em Pernambuco em uma missão para acompanhar a situação de violações de direitos humanos e ambientais ocorridas no Complexo industrial Portuário Eraldo Gueiros (Suape).
A missão constatou, assim como ocorre nos grandes projetos em áreas portuárias, que a situação em Suape gerou (e ainda vem gerando) diversos tipos de impactos e violações de direitos humanos, tanto para as populações locais, quanto para quem vem de fora para trabalhar na implementação desses projetos. Além disso, há várias denúncias contra esse megaempreendimento em Pernambuco, incluindo formação de milícia, danos às casas e restrições de uso do território.
Localizado entre os municípios do Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife (PE), o Complexo é uma empresa pública, administrada pelo governo de Pernambuco. Instalado em 1975 e orientado por uma concepção de “concentração de investimentos”, o Complexo foi modernizado e ampliado a partir dos anos 2000.
A Missão Suape percorreu vários lugares. Foram visitadas diversas comunidades, como a ilha de Mercês, localidade onde há uma uma comunidade quilombola; na colônia de pescadores, em Jurissaca, além de parte da localidade dos engenhos Massangana e Serraria. Em todos esses lugares são muitos parecidos os relatos de um processo de remoção pouquíssimo transparente.
Participaram da missão representantes da Plataforma Dhesca Brasil, além de integrantes de organizações da sociedade civil, incluindo representantes do Fórum Suape, do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), Centro das Mulheres do Cabo, além do portal Marco Zero Conteúdo. O Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop) esteve acompanhando as visitas às instituições do poder público.
Os relatores da Missão estiveram reunidos com as comunidades. Foto: Fórum Suape
Indenizações
Segundo o relator nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente da Dhesca, Guilherme Zagallo, muitas pessoas que foram removidas que tiveram indenização não tem sequer cópia dos laudos de avaliação das benfeitorias que foram indenizadas. Além disso, valores muito baixos nas indenizações.
A empresa Suape falou em 1541 pessoas indenizadas, mas apenas 75 foram reassentadas (pertencentes à Ilha de Tatuoca) que foram para um conjunto habitacional e cerca de 160 que foram assentadas em lotes rurais. Ou seja, mais de 80% das pessoas removidas tiveram somente a indenização. “Isso significa que migraram para as periferias da região, sem alternativas de renda. E somada à desmobilização da construção civil e a redução de atividades na parte de operação do Porto de Suape, contribuíram para os alarmantes indicadores sociais registrados”, explica.

Municípios com altos índices de violência
A missão verificou através de dados da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, que, em 2017, Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho foram os municípios mais violentos do país. Em Ipojuca, nos números proporcionais, apresentou 152 homicídios a cada 100 mil habitantes. Isso representa cinco vezes mais a média nacional, que responde por 33 homicídios a cada 100 mil habitantes.
Cabo de Santo Agostinho teve também uma taxa de homicídios altíssima, chegando a 198 homicídios a cada 100 mil habitantes em 2017. “De todo o modo, ambos os indicadores são exorbitantes, muito acima da média nacional e de Pernambuco e mesmo de Recife e Região Metropolitana”, destacou Guilherme.
Além das questões dos homicídios, há indicadores muito elevados de violência sexual, com forte ocorrência de estupros nos dois municípios. Em Cabo de Santo Agostinho foram registrados 36,6 ocorrências a cada 100 mil habitantes. E em Ipojuca o índice é ainda maior, cerca de 41,7 ocorrências. Para ter uma ideia de como os números destoam da taxa nacional, o número registrado no Estado é de 24, e no Brasil por 100  21 a cada 100 mil.
A missão identificou um conjunto de impactos socioambientais gerados pelo Complexo. Foto: Fórum Suape

Recorte da violência
Na questão da violência, o recorte racial é fortemente presente. Segundo Cristiane Faustino, relatora da missão, a violência sexual em geral, faz parte, ainda que informalmente, das grandes cadeias produtivas que exigem migrações de muitos homens para pequenas cidades e localidades, e atinge principalmente a população negra, em especial as mulheres. “Este tipo de violência está baseada na ideia de que os homens têm direito absoluto ao sexo, independente da vontade das mulheres e, ou, dinamizando um mercado que às vezes mobiliza complexas redes clandestinas de serviços sexuais que incluem até mesmo a prática de pedofilia. Em outras situações se identifica que o abuso e até mesmo o estupro de vulneráveis não são reconhecidos como tais, por conta das relações desiguais entre os abusadores e a vítimas e suas famílias”, comenta a relatora.
Em uma comunidades visitadas pela missão, identificou-se a alta incidência de doenças sexuais transmissíveis. Das 192 familias da localidade, cerca de 10% foram acometidas por alguma DST. O percentual é quase tres vezes a média nacional de 3%. “Nesse ponto é preocupante o aumento das DSTs, dos filhos não-planejados e abandonados pelos pais, afetando diretamente a vida  de adolescentes e jovens mulheres e criando ciclos de iniqüidades”, explica Cristiane.
Ela destaca ainda que é temeroso que o contexto acirre a pauta da segurança pública baseada em visões elitistas brancas e conservadoras que levem a justificar cada vez mais a violência institucional, mortes e encarceramento da população negra, o que em geral acontece em momentos eleitorais. “Fazer análises que trate a complexidade do problema e suas relações com as desigualdades econômicas, sociais, raciais e de gênero é uma demanda urgente para a sociedade local e o Estado.  Esta é uma questão bastante complexa que pretendemos abordar de forma analítica cuidadosa em nosso relatório”, enfatiza.

Preocupação ambiental
A Missão Suape ouviu também muitas reclamações das comunidades sobre a pouca transparência nos processos de licenciamento ambiental envolvendo o Complexo Industrial Portuário. Do conjunto das obras, apenas uma única audiência pública sobre o licenciamento ambiental de um dos Estaleiros foi realizada até o momento. “A população desconhece e não teve oportunidade de debater sobre os impactos ambientais desses empreendimentos”, denuncia Guilherme.
Ele ainda pontua que os impactos socioambientais deverão se agravar agora com o inicio do funcionamento dos empreendimentos. “Temos identificado os impactos sociais do processo de remoção, mas a partir de agora tende a se intensificar os impactos ambientais em função da operação desses empreendimentos, com as suas gigantescas taxas de emissões poluentes e efluentes”, relata.
Para o relator, a situação no Complexo Suape vai ainda causar mais problemas por muitas décadas. “Precisa haver uma atuação mais incisiva do Poder Público no sentido de determinar ajustes no processo de produção, sobretudo no que diz respeito ao impacto da saúde das populações que habitam ali”, destaca Guilherme sobre o responsabilidade do Estado frente aos impactos de funcionamento do Complexo Suape.

Impactos para comunidades tradicionais

Segundo a relatora Cristiane Faustino, as populações mais prejudicadas pelas obras e funcionamento do Complexo Suape são a população negra, as comunidades tradicionais, pescadoras e pescadores artesanais, camponesas e camponeses e demais grupos sociais historicamente interditados da participação política, entendidos como destituídos de conhecimentos e de condiçoes para exirgir a efetivação de direitos, inclusive de opinar sobre quais são os problemas a serem enfrentados pelo estado e pela sociedade. “Apesar de seus acúmulos de conhecimentos, esses grupos são intelectualmente desprezados na hora de decidir sobre as melhores formas de uso e ocupação dos territórios”, destaca Cristiane.
Outra análise importante feita pelos relatores é que os impactos junto às populações se dão de forma diferenciada para os diferentes grupos sociais que residem nas areas afetadas pelo Complexo. “Mulheres, crianças, idosos, adolescentes e jovens, por exemplo, experimentam diferentes perdas que os afetam em suas condições de gênero e geracionais”, explica a relatora.
Um exemplo ocorre com a situação da comunidade quilombola da Ilha de Mercês. O quilombo está em processo de reconhecimento e autorreconhecimento, tendo sido já certificado pela Fundação Palmares. Contudo, a comunidade se queixa de serem reduzidas suas possibilidades de produção de alimentos, garantia de moradia, além de viver sob ameaças e violências física, psicológica e simbólica. Esta última violência está expressa na acusação de quem invadiram o território onde seus antepassados já residiam. Esta acusação implica no impossibilidade da comunidade exercer práticas tradicionais, como a pesca. “Dentre os principais problemas verificados pela comitiva da Missão, está a inviabilização do exercício da pesca artesanal devido ao barramento do Rio Tatuoca que tem interferido brutalmente na dinâmica das águas, afetando as áreas de manguezais, fundamentais para a reprodução das espécies marinhas”, explica Cristiane.
Relatores da missão estiveram reunidos com o poder público local. Foto: Fórum Suape


Contato com as autoridades
Nos dias 10 e 11 de maio, como atividade de escuta às partes envolvidas, a Missão Suape se reuniu com as autoridades e o poder público local sobre as denuncias realizadas na escuta às comunidades.
No dia 10, a Missão esteve reunida com o Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público de Pernambuco (MPPE), com representantes da Polícia Civil e da Polícia Militar, além de integrantes da empresa Suape. Já no dia 11 de maio o contato foi realizado com a Defensoria Pública da União e de Pernambuco, além de representantes da Casa Civil do Governo do Estado, Secretaria Estadual de Meio Ambiente e com a CPRH-Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos.
Alguns dos fatos que foram trazidos pelas comunidades foram confirmados pelo governo local e comunidade. Uma constatação preocupante é que ainda não existe um plano de emergência para qualquer desastre envolvendo o Complexo Portuário de Suape. “Se houver um grande acidente ou incêndio com vazamento na tubulação de Petróleo ou combustíveis na área da refinaria e da petroquímica, não tem ainda regras claras de conhecimento da população. E aí há a iminência de uma grande tragédia, como já ocorreu em outros locais, como no caso na Refinaria de Paulínia”, lembra Guilherme.
Segundo o relator, é preciso estar preparado. “A população precisa saber quais as providências a adotar em caso de emergência, instalação de sirenes, sinalização clara e pontos de aviso, para onde você tem que ser evacuado nesse momento. Isso mostra um exemplo de como essa grande atividade industrial foi instalada aqui no Estado de Pernambuco e ainda não está suficientemente regulada de forma a proteger a população”, alerta Guilherme.
Para Guilherme, haverá uma necessidade de uma readequação do poder público, do ponto de vista do monitoramento, de qualidade do ar, de ruído, de qualidade das águas, de saber quais as consequências desses poluentes e efluentes sobre a saúde humana e sobre o ambiente como um todo, como a fauna e a flora, para que os ajustes sejam feitos. “Se isso não acontecer, esse Complexo não irá representar desenvolvimento e sim degradação ambiental”, conclui.

Relatório da Missão

O próximo passo da missão da Plataforma Brasil Dhesca será a produção do relatório com uma série de recomendações. Dentro do prazo entre 60 e 90 dias, as recomendações serão encaminhados às autoridades e divulgados para a sociedade e a imprensa.  Além disso, os relatores devem retornar às comunidades locais para que possam fazer o monitoramento da aplicação das recomendações.
Cristiane Faustino destaca que o relatório deve enfatizar a dimensão de que o racismo é estruturante das desigualdades de poder e representa um impedimento real para a garantia de direitos das comunidades. “Nessa perspectiva, faremos uma leitura da realidade identificando e explicitando a forma como a tradição patriarcalista e branca converge para geração de injustiças sociais e ambientais e é fator que dificulta a tomada de medidas públicas que de fato considerem as necessidades das populações afetadas, assim como suas potencias em colaborar para que as políticas de desenvolvimento estejam preocupadas com o bem comum”, enfatizou a relatora.
Para a conclusão do relatório, instituições do poder público contactadas deverão encaminhar documentos complementares à Missão. São esclarecimentos e estudos de impacto ambiental realizados, para que possa ser discutido em cima de bases técnicas.
Texto retirado do site: plataformadh

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