POR LAÉRCIO PORTELA (23/05/2018)
Texto retirado do site: marcozero.org
Na segunda semana de maio, Suape parecia ter voltado no tempo. No palanque armado para o lançamento da pedra fundamental do laboratório Aché, o governador Paulo Câmara (PSB), secretários de Estado e a empresária Vânia Nogueira exaltavam o “maior investimento privado no Brasil nos últimos três anos”. Mas algo mudou. O discurso ufanista já não empolga os moradores de Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca. Fora dos holofotes, o cenário de desemprego, aumento da violência e violações dos direitos das comunidades tradicionais que vivem no entorno do complexo industrial portuário são uma vacina contra as promessas de prosperidade que no passado embalaram o boom econômico de Pernambuco e deram projeção política ao governo Eduardo Campos.
Esse desequilíbrio entre o discurso oficial e o mundo real foi acompanhado de perto pela missão da Plataforma de Direitos Humanos – Brasil Dhesca, que visitou as comunidades e se reuniu com as autoridades públicas na semana em que os jornais locais comemoravam a instalação de mais um empreendimento milionário no estado. A Plataforma congrega 42 entidades da sociedade civil de todo o país e enviou uma equipe a Pernambuco, por solicitação do Fórum Suape, para apurar denúncias de violações contra as populações diretamente impactadas pelo avanço do Complexo Industrial Portuário de Suape, empresa pública gerida pelo Governo de Pernambuco.
“Do ponto de visto dos direitos humanos é uma situação trágica. Nós observamos muitas violações. Violações do ponto de vista da moradia, da saúde, do direito ao trabalho. Tivemos muitos relatos de violência física, violência psicológica, violências simbólica, cultural e intelectual, já que o pensamento e as formas de ver das comunidades tradicionais aparentemente não são consideradas”, explicou a assistente social Cristiane Faustino, relatora da Plataforma Dhesca para o Direito Humano ao Meio Ambiente.
Os impactos ambientais de Suape sobre as áreas de pesca e cultivo; a transferência de famílias de pescadores e agricultores para áreas distantes dos locais de onde sempre tiraram seu sustento; e a proibição de reformar, construir e até plantar para as famílias que permanecem vivendo na vizinhança do Complexo de Suape foram denúncias ouvidas em todas as comunidades visitadas pelos integrantes da Plataforma Dhesca. Sem acesso aos recursos naturais que lhes garantiam a subsistência e a geração de renda, muitas dessas comunidades vivem em situação de isolamento e aumento da pobreza.
Marisqueiras da Colônia Z8, em Gaibu, relataram que são forçadas a se deslocar até Mangue Seco, em Paulista, para pescar depois que os manguezais e berçários marinhos foram afetados pelas obras de dragagem dos canais de acesso aos estaleiros instalados no porto de Suape. O caso mais emblemático é o da Ilha de Tatuoca. Setenta e cinco famílias de pescadores foram retiradas do local e deslocadas para o conjunto habitacional urbano Nova Tatuoca. Os problemas de drenagem do terreno e o calor insuportável dos tetos de zinco que cobrem as casas do habitacional afetam menos a vida dos moradores do que a proibição de acesso ao local onde por décadas dispuseram dos meios para sua sobrevivência.
Falta de transparência
O advogado Guilherme Zagallo, também relator da Plataforma Dhesca para o caso de Suape, chama a atenção para a falta de diálogo das autoridades da empresa Suape e do Governo do Estado com as populações mais afetadas. “De todos esses grandes empreendimentos instalados no Complexo – refinaria, petroquímica, duas usinas termoelétricas, várias fábricas de médio porte, dois estaleiros – tem-se ciência de uma única audiência pública (por ocasião da instalação do estaleiro Vard Promar) no processo de licenciamento ambiental. Isso mostra o nível muito baixo de transparência do Poder Público”.
A escuta ativa às comunidades poderia evitar ou minimizar danos ambientais e sociais. Decisões tomadas nos gabinetes não levaram em conta a importância dos recursos naturais para a vida das populações tradicionais. Na comunidade quilombola de Ilha de Mercês, certificada pela Fundação Palmares em 2016, a pesca artesanal de ostras e camarões ficou comprometida com a construção de uma pista de acesso a Suape que fechou a área de encontro do Rio Tatuoca com o mar, bloqueando a vazão da maré. A água clara do manguezal ficou salobra, com um fundo escuro e camadas de óleo na superfície. Os moradores também reclamam da obrigatoriedade de pagamento de pedágio para acessar de carro a área do quilombo.
As incertezas sobre a reparação dos danos ao meio ambiente ficam ainda maiores quando se sabe que a CPRH, o órgão estadual responsável pela fiscalização ambiental em Pernambuco, não monitora a qualidade da água e do solo nas comunidades diretamente impactadas pelo descarte de resíduos das grandes empresas instaladas em Suape.
A fiscalização é toda centrada no acompanhamento dos níveis de poluentes emitidos no ar pelas indústrias por estações instaladas e operadas pelas próprias empresas privadas, que encaminham relatórios à CPRH, conforme relato do presidente da instituição Eduardo Elvino durante encontro com a missão da Dhesca. Também não existe um plano de emergência para qualquer situação de desastre ou vazamento na tubulação de petróleo ou combustíveis envolvendo o Complexo de Suape.
O licenciamento de operação geral do Complexo vence em 2021. Segundo o que determina o decreto 8.437, de 2015, por suplantar a marca de 15 milhões de toneladas movimentadas por ano, o licenciamento e autorização ambiental para operação do porto vai deixar de ser responsabilidade da CPRH e migrar para o Ibama, órgão federal.
“Os impactos atuais são de natureza essencialmente territorial, mas impactos muito graves vão ser percebidos nos próximos anos dada a natureza das indústrias instaladas, dado o volume de emissão de poluentes que existe nesse complexo. Para os próximos anos é provável que os indicadores de saúde das comunidades do entorno sofram uma degradação e piora muito intensa em função dos efeitos dessa poluição e da contaminação dos rios e dos estuários da região e tudo isso vai demandar uma ação muito mais efetiva do Poder Público do que tem acontecido até agora”, alerta Guilherme Zagallo.
Esse futuro já chegou no entorno da Unidade Termelétrica II, da Suape Energia. Cinco famílias vivem em situação de muita precariedade a cem metros das torres da termoelétrica que opera óleo pesado. Mesmo com o maquinário desligado o cheiro é muito forte e causa bastante incômodo. Quando as torres são ligadas, os moradores dizem que as paredes das casas balançam. A fonte de água que possuíam agora está imprópria para o consumo. No quintal, a paisagem bucólica de roupas de adultos e crianças estendidas no varal são emolduradas pela imagem ostensiva dos tanques de óleo ao fundo.