Em Suape, empresa compra área de posseiros mesmo com decisão judicial em contrário
Publicado em 10/05/2015
A advogada Conceição Lacerda, que defende diversos posseiros na região de Suape, denunciou ao Blog de Jamildo mais um caso de irregularidade envolvendo transações imobiliárias na comarca do Cabo, com áreas situadas no complexo do Porto de Suape. Uma empresa conseguiu comprar e averbar em cartório uma área de 12 hectares de um posseiro, mesmo havendo uma decisão judicial em contrário.
Na semana passada, a advogada já havia denunciado um suposto esquema de simulação de processos judiciais na comarca do Cabo de Santo Agostinho para desvio de recursos públicos da empresa Suape, tendo como instrumento recorrente acordos de reintegração com posseiros de terras na área do complexo. Depois, denunciou também que a empresa Suape beneficiou o fundo de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal (Funcef) com a cessão de uma área de 117 hectares, de forma supostamente irregular, pelo prazo de 99 anos. Suape tem mantido silêncio sobre as denuncias, até aqui. A OAB também não se pronunciou até agora.
Tudo começou em janeiro de 1993, quando o posseiro Nicolau Francisco de Azevedo entrou com uma ação contra Suape, na 3ª Vara Civil do Cabo. Ele alegava que Suape estava perturbando a sua posse e usava de ameaças de violência, no lote 67 do engenho Algodoais. Suape alegou na Justiça que havia adquirido a propriedade do engenho Algodoais da Cooperativa Tiriri.
Não deu certo. O juiz concedeu a ele um interdito proibitório pelo qual Suape ficava proibido de molestar o autor em sua posse. Suape chegou a entrar com uma apelação no TJPE, mas não obteve sucesso.
De acordo com os autos do processo, em 1995 e depois em 2009, após obter o interdito proibitório, o posseiro pediu ao juiz do Cabo que registrasse o imóvel no nome dele. Ele pedia que o interdito proibitório fosse transformado em ação de manutenção de posse. O advogado na época já citava a urgência alegando a expectativa de valorização caso a “famigerada refinaria’ fosse instalada na comarca.
Em novembro de 2011, de forma muito clara, o juiz Arnóbio Amorim Araújo Júnior indeferiu o pedido, informando que não podia, não cabia.
“A ação foi de interdito possessório e não de adjudicação compulsória, de modo que é impossível anotação de eventual mandado de manutenção de posse no ofício imobiliário pertinente”, escreveu.
Na gestão de Frederico Amâncio como presidente de Suape, em 31 de julho de 2012, a administração do porto habilita novos advogados e pede vistas dos autos.
Ocorre que, em 23 de outubro de 2012, o juiz Rafael José de Menezes, mandou um despacho para o cartório mandando desmembrar a área, em favor de Nicolau Francisco de Azevedo. Uma certidão vitenária do imóvel mostra que ele foi vendido imediatamente a empresa ADX Empreendimentos LTDA, que opera em Suape em nome de grandes construtoras.
“Trata-se de uma ilegalidade. Isto é improbidade administrativa. Com esse ato, a Justiça acabou favorecendo a empresa ADX”, afirma a advogada Conceição Lacerda.
Em uma carta pública divulgada no dia 26 de fevereiro, no Recife, o Fórum Suape Sócio-Ambiental, fazendo referência reunião com posseiros em novembro do ano passado na OAB, reitera acusações de que Suape pratica abuso de poder econômico e fala em corrupção envolvendo a empresa e a existência de tráfico de influência no poder Judiciário de Pernambuco, segundo a instituição, usado para legitimar os atos supostamente ilícitos praticados pelos gestores da empresa Suape. No documento, reclamam ainda de omissão do Ministério Público de Pernambuco.
A polêmica envolvendo ações de reintegrações de posse ajuizadas pela empresa Suape é antiga e bastante complexa.
“Reconhecemos que o porto é um mal necessário. O que nos brigamos é para que haja o reconhecimento de que a escritura usada por Suape para repassar as terras dos posseiros para as empresas do complexo foi obtida de forma espúria. Todo o dinheiro que Suape recebeu tem que ir para os verdadeiros donos das terras, que é o Incra. Um dos problemas desta luta é que Suape não fez licitações para dar essas terras e não se conhece o valor”, afirma a advogada.
“O bem público é indisponível. Não se pode abrir mão dele. O porto de Suape contou, durante anos, com a cumplicidade do poder judiciário de Pernambuco, mas a Justiça Federal acabou de reconhecer que o Incra tem direito a ser discutido na causa. O TRF5 mandou o processo para a primeira instância e por distribuição o processo foi parar na 3ª Vara Federal julgar o caso. O juiz federal reconheceu a competência da Justiça Federal para julgar o feito, em razão do interesse do Incra. Se o nosso bom direito for confirmado, na Justiça Federal, isto significa que as mais de mil e duzentas reintegrações de posse feitas no plano estadual são nulas”, diz.
“Eles (Suape) e o Incra local mentem descaradamente. Quando são questionados, afirmam que os decretos de desapropriação do Incra perderam a validade com um decreto de Geisel de 1978 (82.899). Só que também este decreto foi revogado em 15 de fevereiro de 1991. Além disto, há documentos internos de Suape, com timbre oficial, reconhecendo a propriedade do Incra”, diz.
A base de toda polêmica é um título de propriedade expedido pelo Incra em 22 de julho de 1980, assinado pelo presidente da entidade e o agricultor Manoel Alves da Silva, então presidente da cooperativa Tiriri. Com o ato oficial, o governo Federal repassava para os posseiros o título de propriedade em uma época que a pressão no campo era bastante elevada. O projeto era ajudado pela Sudene, que fez o levantamento da área e dos beneficiários.
O documento do Incra previa que o domínio ou a posse dos imóveis seriam revertidos ao órgão, em caso de descumprimento do uso, previsto numa cláusula resolutiva. Em 24 de julho de 1980, curiosamente, já havia uma escritura pública assinada pela cooperativa Tiriri vendendo as terras dos agricultores para o porto de Suape, sem a interveniência do Incra. Na peça, o tabelionato do Cabo tem o cuidado de registrar que não foi apresentada certidões do Incra sobre a propriedade.