Aos 85 anos, morre, nesta quinta-feira (20), Luis Abílio da Silva, pescador e agricultor expulso de seu território por Suape.
Os laudos médicos não acusarão, mas o que matou Luís Abílio da Silva, 85 anos, foi o desgosto e o sofrimento de ter sido arrancado de sua terra, uma peleja que durou quase 05 anos. Esse mal, que vem acometendo inúmeras famílias moradoras das terras que Suape hoje reivindica, fez de seu Abílio uma vítima fatal.
Seu Abílio era pescador. Além da pesca que praticava no mangue, vivia da agricultura de subsistência e da coleta de frutas no seu sítio de 10 hectares, localizado no Engenho Tiriri, Cabo de Santo Agostinho. Com seu Abílio, moravam sua esposa (Maria Luiza da Silva), seus filhos e 18 netos – todos nascidos no sítio -, que, igualmente, viviam do que a terra e o rio generosamente lhes davam. Nessa “terra de barriga cheia”, seu Abílio fazia a morada e a vida desde 1964.
A partir do ano de 2011, no entanto, ele viu a sua paz ser fatalmente golpeada pelos interesses econômicos do Complexo Industrial Portuário de Suape. Naquele ano, a empresa ingressou com uma ação de reintegração de posse para expulsar a sua família da terra. Situação parecida enfrentava toda a comunidade do Engenho Tiriri.
Mesmo a posse sendo justa, de boa fé e muito, muito antiga, a influência política e econômica de Suape foi suficiente para fazer com que a expulsão se desse em forma de liminar, sem que sequer fosse ouvido.Decisões do tipo, diga-se de passagem, foram bastante recorrentes à época, ao ponto de o Juiz responsável por elas ser conhecido pelos moradores e, até hoje, lembrado como aquele que foi colocado de forma repentina e suspeita na Vara da Fazenda Pública da Comarca do Cabo de Santo Agostinho para conceder decisões favoráveis, em série e parcamente fundamentadas em favor de Suape e, assim, acelerar as expulsões.
Além disso, o sítio de seu Abílio, assim como todos os localizados no Engenho Tiriri, situava-se em terras sobre as quais recaem sérios questionamentos a respeito da legalidade da aquisição por Suape. As terras foram inicialmente adquiridas pelo INCRA para fins de regularização da posse, em sede de Reforma Agrária, das famílias de camponeses que lá já residiam, como a do seu Abílio. O INCRA repassou as terras adquiridas à Cooperativa Tiriri, organização que supostamente representava os moradores da área, incumbindo-a de promover o assentamento das referidas famílias. A Cooperativa Tiriri, no entanto, apenas dois dias após adquirir tais terras do INCRA, descumpriu o seu dever de assentar as famílias e as vendeu para Suape, que passou então a promover um intenso processo de limpeza étnica naquele território, com a massiva expulsão das famílias, tachadas de “invasoras” pela empresa.
A decisão liminar que sequer permitir ao seu Abílio o direito de defesa, pegou toda a família de surpresa no ano de 2011. Policiais militares e milicianos de Suape chegaram inesperadamente ao sítio e passaram a destruir o que gerações de sua família haviam erguido: casas, plantações, sonhos. A família, que à época contava com um bebê de apenas 15 dias, ficou desabrigada, sem ter para onde ir. Desde então, extremamente impactado e deprimido pela violência sofrida, seu Abílio, que não tinha sequer mais vontade de se alimentar, teve sua saúde física e emocional acometida por recorrentes enfermidades.
Ontem, 20 de outubro de 2016, após um período em coma, fruto de um quadro de depressão profunda, ele partiu, deixando esposa, filhos e netos desolados pela perda. Em seu velório, uma multidão de parentes, amigos e amigas, se despediram dessa figura símbolo da luta contra os desmandos e ações truculentas praticadas pelo Complexo Industrial Portuário de Suape.
Com dor e luto, a morte de seu Abílio ilustra o impacto que o desenraizamento violento e predatório vem provocando na vida de inúmeras famílias da região. Por trás da propaganda de desenvolvimento e de responsabilidade socioambiental ostentada pela empresa Suape, agonizam milhares de vidas que experimentam sistemáticas violações de direitos. Conivente com toda essa situação, encontra-se um Estado inerte e incapaz de reconhecer as atrocidades cometidas pela empresa e de promover as devidas reparações.
Continuaremos, contudo, na luta incansável por justiça.
Que toda a dor se converta em força para seguir (r)existindo.
Luís Abílio da Silva: PRESENTE, PRESENTE, PRESENTE!