Julgamento do último dia 23/5 sobre os danos das dragagens e derrocagens no Porto de Suape manteve os efeitos da sentença condenatória contra a empresa
Por chico Ludermir
(Fórum Suape)
No último dia 23 de maio, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região julgou o recurso da Empresa SUAPE no processo que apura os impactos das dragagens e derrocagens às comunidades pesqueiras do Cabo de Santo Agostinho. Por unanimidade, os desembargadores deram provimento aos embargos de declaração – que pediam reanálise de documentos – mas mantiveram a sentença que reconheceu os danos socioambientais e a insuficiência dos estudos que embasaram o licenciamento e que condenou a empresa SUAPE a executar uma série de medidas de mitigação e compensação – dentre ela a recuperação de estoques pesqueiros e o pagamento de indenização às comunidades atingidas. “Não vislumbro equívoco na sentença”, afirmou o desembargador Vladimir Souza Carvalho, relator do processo, em sua decisão. “A atividade de dragagem é, sem sombra de dúvida, potencialmente capaz de provocar dano ambiental”, disse em outro momento da decisão.
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A Ação Civil Pública foi movida pelo Ministério Público Federal em 2011, a partir de uma representação formulada pela Colônia de Pescadores Z-08 acerca dos danos ao ecossistema marinho e à pesca artesanal decorrentes das atividades de dragagem e derrocagem que estavam sendo executadas por SUAPE. A empresa havia sido condenada em primeira instância pelo juiz da 35a Vara Federal do Cabo de Santo Agostinho, em 2016. Em grau de recurso, a sentença foi mantida pelo colegiado do TRF5. Contudo, após interposição de outro recurso pela empresa, o Superio Tribunal de Justiça (STJ) determinou a realização de novo julgamento pelo TRF5. De volta ao Tribunal Regional, o colegiado de desembargadores decidiu manter intactos o entendimento e a condenação.
“O resultado do julgamento é uma grande vitória para as comunidades pesqueiras porque reconhece as denúncias que vinham sendo feitas por elas e impõe medidas de proteção aos territórios de pesca artesanal e ao ecossistema”, afirma Luísa Duque, advogada do Fórum Suape, que representou a Colônia Z-08 no processo. Segundo ela, a decisão representa um importante precedente para o combate ao racismo ambiental e à degradação dos territórios como ônus de um suposto progresso. “Acreditamos que, quando o Judiciário toma uma postura mais firme e intolerante aos danos produzidos contra essas comunidades, isso faz com que as empresas tenham mais cuidado ao executar seus empreendimentos e os órgãos licenciadores tenham mais cautela ao licenciá-los”, completa a advogada. No final das contas, defende Luísa, o resultado do julgamento é também uma vitória de toda a sociedade, na medida em que faz valer a Constituição e a legislação ambiental para proteger um bem comum, que é o meio ambiente.
Essa não é a primeira vez que a Empresa SUAPE é acusada de danos socioambientais. Além do Ministério Público Federal, a Defensoria Pública do Estado e o Fórum Suape também denunciaram o Complexo por uma série de violações de direito das comunidades que integram o território industrial portuário, tais como a destruição de casas e lavouras, o que fere os direitos de posse. Outros inquéritos civis que seguem em curso apontam cercamento de áreas comuns e desrespeito ao território Quilombola Ilha de Mercês, como é retratado no recém-lançado documentário “Sangue: Vidas e Lutas Quilombolas em Defesa do Rio”, dirigido por Débora Britto e produzido pelo Fórum Suape. “O Complexo Industrial Portuário de Suape vem ao longo dos anos violando uma série de direitos socioambientais das comunidades da região”, afirma Mariana Vidal que também atua junto ao Fórum. Segunda a advogada, degradação de ecossistemas, remoções forçadas, violências e intimidações são as características do processo de instalação e expansão do porto: “vemos fome em lares que antes tinham mesa farta”, denuncia.
Pescadores esperam justiça
No dia 1º de Janeiro de 2010 Edinaldo Rodrigues de Freitas saiu para pescar com seu filho, próximo a Ilha de Cocaia, e se deparou com uma draga. Ao mergulhar, percebeu a água turva e sentiu coceira pelo corpo. Nal, como é conhecido, lembra como se fosse hoje do susto que levou e consegue descrever com detalhes uma embarcação moderna com cabine na proa e o momento em que seu filho Esdras se colocou na frente dela tentando impedir o estrago. Era o início de um processo extremamente danoso de dragagem e derrocagem realizado pela Empresa SUAPE que ele mesmo documentou em fotos e vídeos.
Atualmente presidente da Associação de Pescadores e Pescadoras em Atividade do Cabo de Santo Agostinho, Nal pesca desde criança e viu a paisagem se modificar depois das intervenções do Porto. Degradação de manguezais e restingas, destruição de cabeços onde diversas espécies marinhas viviam e se reproduziam, morte de peixes como consequência de processos de aterramento e até utilização de explosivos. “A gente via os peixes mero, botos cinza, arraias, ciobas, ariocós, xaréus, tudo boiando”, relembra. Quando a gente mergulhou, viu que os danos seriam irreversíveis porque houve muita destruição de coral”, completa ele, acrescentando que até bananas de dinamite foram encontradas durante os mergulhos.
Segundo observou o pescador, as consequências são muito graves, dentre elas a diminuição drástica da atividade da pesca, subsistência de boa parte de seus colegas. Depois da dragagem, os pescadores chegaram a precisar de doações de roupas e até de alimentos. “Gente que antes abastecia os restaurantes passou a precisar comer cabeça de peixe congelado que os donos davam”, relata. Com a destruição e aterramento de habitats, descreve Nal, não se pesca mais camarão e são mais raras espécies antes abundantes, como guarajuba, beijupirá, dentão, lagosta e polvo. “A gente sofre muito ao ver que nossos filhos não poderão mais seguir com a pesca”, lamenta.
Nal define a atuação de SUAPE nos territórios tradicionais como genocida. O pescador diz ter acompanhado marisqueiras que tiraram a própria vida, pescadores que até hoje morrem “de desgosto” e famílias em vulnerabilidade extrema. “Além das mortes das pessoas, é a morte de diversas espécies da fauna e da flora; é a morte da nossa cultura e das comunidades tradicionais pesqueiras”, acusa.
As documentações de Nal e do seu filho ajudaram a compor o escopo de provas apresentadas no processo ajuizado pelo Ministério Público Federal, em 2011. “Tivemos a necessidade de mostrar que o que SUAPE faz não é sustentável. É muito ruim para o ambiente e para os pescadores. Fizeram tudo isso sem conversa com a comunidade ou aviso prévio”, denuncia.
Educadora do Conselho Pastoral de Pescadores (CPP) há 40 anos, Laurineide Santana acompanha as mudanças dos territórios tradicionais pesqueiros desde o início da industrialização do Porto. Junto ao CPP, tem prestado assessoria à colônia de pescadores e acompanhado a judicialização da ação civil pública desde 2011. Laurineide diz ficar assustada com as investidas da empresa. “É monstruoso. Ao mesmo tempo em que negam a presença de comunidades tradicionais, assediam e ameaçam os pescadores e pescadoras”, relata.
Assim como Nal, Laurineide também presenciou peixes boiando na praia e acompanhou de perto o sofrimento das comunidades pesqueiras vendo sua subsistência desaparecer. Em 2016, com a decisão favorável em primeira instância, a educadora celebrou a possibilidade de mitigação e compensação, mas não nega a frustração com a demora em resolver o caso definitivamente. “A gente fica feliz com a confirmação da decisão anterior, porém a espera de mais de uma década é cansativa e violenta”, reclama ela, referindo-se à decisão recente, que não encerra o caso. Ainda que o julgamento tenha mantido os efeitos infringentes à SUAPE e, portanto, seja um resultado positivo para a Colônia de Pescadores Z-08, ainda cabem recursos.
Nal também recebeu a notícia da decisão do TRF5 do último dia 23/5 ressabiado. A torcida dele, assim como de toda a colônia de pescadores e demais agentes envolvidos no caso, é de que a última decisão do TRF5 se consolide. “Espero que seja reconhecido de uma vez por todas que Suape errou, que Suape pare de ser irresponsável e que os danos sejam reparados. A justiça precisa ser justa”, enfatiza o pescador.