Suelene Gomes tem um sítio de quase dois hectares no Engenho Tabatinga, que Suape diz lhe pertencer. Ela herdou o lote de terra de seu pai, e este de seu avô. Suelene, com sua família, lá reside desde nascença. No sítio há uma casa de alvenaria e várias árvores frutíferas, entre estas, três mil pés de bananas.
Suelene, e demais sitiantes de Tabatinga, desde 2008, foi impedida por Suape de cultivar lavouras e criar animais domésticos em seu sítio, sendo prejudicada em sua agricultura familiar, que é incentivada pelo Governo Federal.
Em maio deste ano, ela foi chamada por Suape para desocupar o sítio, sendo-lhe oferecida a irrisória quantia de R$ 21.340,81. Como não a aceitou, Suape pediu liminarmente a reintegração da centenária posse. A ação foi contestada, e segue o ritual da Justiça. Suape com o patrocínio de renomados advogados, ela pelo auspício da justiça gratuita.
Visto assim, o caso de Suelene parece isolado, mas não é isso que acontece. No entorno de Suape mora cerca de dez mil pessoas, muitos parentes de sitiantes, que, igual a ela, foram ou estão sendo ameaçados de perderem os seus sítios por indenizações vis ou injustas.
Os moradores, premidos por Suape, são arrancados de suas raízes, desalojados de seus sítios, e com a “indenização” recebida passam a morar numa favela ou, quando muito, num final de um subúrbio qualquer. Muitos já idosos, sem o sítio, sem emprego, o que fazer? A não ser, como meio de subsistência, ir engrossar a lista do Bolsa Família.
Mas, pelos relatos, não é só a expulsão do sítio por troca de uma ninharia, a qual infelizmente recebe o crivo do Judiciário, ante os argumentos tidos como infalíveis de Suape, que depois passa a vender a terra por vultosa quantia às empresas nacionais ou estrangeiras. Já houve caso em que Suape pediu a terra do sitiante e a arrendou a tradicional fornecedor de cana.
Voltando aos relatos de como Suape trata os sitiantes que residem ao seu redor – os quais lá chegaram muito antes de ela existir -, tome-se, por exemplo, o sumário das declarações prestadas, em 2004, pelo sitiante José Gomes, junto à Promotoria de Justiça do Cabo de Santo Agostinho, ele diz que: vigilantes com uma máquina foram até a sua casa para derrubar as suas fruteiras, sem ao menos ouvi-lo, nem respeitando a sua idade e doença, pois já sofreu três derrames.
Esse modo truculento usado por Suape contra humildes moradores da região – entre os municípios de Ipojuca e do Cabo de Santo Agostinho – foi inúmeras vezes noticiado por jornais e TVs. A última tem por título, “Demolição Ilegal em Suape”, que fora feita por seguranças armados e, segundo dizem, por ordem dos seus “coronéis” – geralmente policiais civis e militares aposentados, e hoje dela funcionários.
Os seguranças de Suape mapeiam a área, divide os Engenhos, como aconteceu em Tabatinga, que passou a ser I, II e III, e ingressam com seus pedidos na Justiça de modo individual para descaracterizar o coletivo conflito agrário. É dividindo que melhor se expulsa, que quase nada se paga, que faz valer a lei do silêncio pela a violência causada aos sitiantes. Muitos presidentes de associações dos Engenhos são cooptados por Suape, para agir em desfavor dos seus associados.
Ninguém discute a importância de Suape, mas o seu desenvolvimento não deve ser desumano e predatório, quer em relação às pessoas ou ao meio ambiente, o qual teve vasta área de mangue devastada, e não recuperada, a não ser no palavrório. Em Tabatinga, por exemplo, se alegou para a retirada dos sitiantes, a tal compensação ambiental. Mas no seu lugar o que se ergue é uma grandiosa fábrica da PAMESA, que vem causando impacto de vizinhança aos moradores locais, inclusive quanto ao direito de passagem.
A rigor não se pode dizer que Suape tem a propriedade tranquila de todas as áreas rurais que ficam em seu entorno. Os engenhos que pertenciam à antiga Cooperativa de Tiriri não podia lhes ter sido vendidos, pois, por cláusula resolutiva, só poderiam se destinar ao assentamento dos agricultores que já eram deles ocupantes.
É por essa razão, que numa reunião realizada em 12.09.2013, na Associação dos Moradores do Engenho Massangana, onde fica o coração de Suape, um representante legal do INCRA, Isaias Valeriano, afirmou que: “há um procedimento administrativo para delimitar a área da União, que após a delimitação, irá cadastrar os agricultores e moradores, para depois passar o título de posse aos cadastrados.”
É bom lembrar que o Engenho Massangana foi onde Joaquim Nabuco viveu a sua infância e se inspirou para a causa abolicionista. Lamentavelmente os seus moradores e sitiantes de hoje vivem dias de incertezas quanto à permanência na posse da terra, sem contar com os constrangimentos acima relatados.
Infelizmente, o que conta para Suape é o crescimento a qualquer custo, e não o desenvolvimento humano, a valorização da dignidade da pessoa. Afora as ocorrências do dia-a-dia contra os antigos sitiantes, que o digam os velhos moradores da Ilha de Tatuoca, engolida pelo Estaleiro Atlântico Sul, e o algo que restou, pelo o outro, o Promar.