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SUAPE

UM LADO OBSCURO DE SUAPE

Por Miguel Sales (Promotor de Justiça)

Suelene Gomes tem um sítio de quase dois hectares no Engenho Tabatinga, que Suape diz lhe pertencer. Ela herdou o lote de terra de seu pai, e este de seu avô. Suelene, com sua família, lá reside desde nascença. No sítio há uma casa de alvenaria e várias árvores frutíferas, entre estas, três mil pés de bananas.
Suelene, e demais sitiantes de Tabatinga, desde 2008, foi impedida por Suape de cultivar lavouras e criar animais domésticos em seu sítio, sendo prejudicada em sua agricultura familiar, que é incentivada pelo Governo Federal.
Em maio deste ano, ela foi chamada por Suape para desocupar o sítio, sendo-lhe oferecida a irrisória quantia de R$ 21.340,81. Como não a aceitou, Suape pediu liminarmente a reintegração da centenária posse. A ação foi contestada, e segue o ritual da Justiça. Suape com o patrocínio de renomados advogados, ela pelo auspício da justiça gratuita.
Visto assim, o caso de Suelene parece isolado, mas não é isso que acontece. No entorno de Suape mora cerca de dez mil pessoas, muitos parentes de sitiantes, que, igual a ela, foram ou estão sendo ameaçados de perderem os seus sítios por indenizações vis ou injustas.
Os moradores, premidos por Suape, são arrancados de suas raízes, desalojados de seus sítios, e com a “indenização” recebida passam a morar numa favela ou, quando muito, num final de um subúrbio qualquer. Muitos já idosos, sem o sítio, sem emprego, o que fazer? A não ser, como meio de subsistência, ir engrossar a lista do Bolsa Família.
Mas, pelos relatos, não é só a expulsão do sítio por troca de uma ninharia, a qual infelizmente recebe o crivo do Judiciário, ante os argumentos tidos como infalíveis de Suape, que depois passa a vender a terra por vultosa quantia às empresas nacionais ou estrangeiras. Já houve caso em que Suape pediu a terra do sitiante e a arrendou a tradicional fornecedor de cana.

Quando a terra não é ocupada pelo sitiante, ela também compra caro, como aconteceu na compra do terreno da Refinaria que pertencia à Usina Salgado.
Voltando aos relatos de como Suape trata os sitiantes que residem ao seu redor – os quais lá chegaram muito antes de ela existir -, tome-se, por exemplo, o sumário das declarações prestadas, em 2004, pelo sitiante José Gomes, junto à Promotoria de Justiça do Cabo de Santo Agostinho, ele diz que: vigilantes com uma máquina foram até a sua casa para derrubar as suas fruteiras, sem ao menos ouvi-lo, nem respeitando a sua idade e doença, pois já sofreu três derrames.
Declara ainda que: prenderam-no dentro de um carro, e quando ele perguntou pela ordem do juiz, os funcionários de Suape lhe disseram que aquele mandava em seu birô, e ali, era Suape.
Esse modo truculento usado por Suape contra humildes moradores da região – entre os municípios de Ipojuca e do Cabo de Santo Agostinho – foi inúmeras vezes noticiado por jornais e TVs. A última tem por título, “Demolição Ilegal em Suape”, que fora feita por seguranças armados e, segundo dizem, por ordem dos seus “coronéis” – geralmente policiais civis e militares aposentados, e hoje dela funcionários.
Os seguranças de Suape mapeiam a área, divide os Engenhos, como aconteceu em Tabatinga, que passou a ser I, II e III, e ingressam com seus pedidos na Justiça de modo individual para descaracterizar o coletivo conflito agrário. É dividindo que melhor se expulsa, que quase nada se paga, que faz valer a lei do silêncio pela a violência causada aos sitiantes. Muitos presidentes de associações dos Engenhos são cooptados por Suape, para agir em desfavor dos seus associados.
Ninguém discute a importância de Suape, mas o seu desenvolvimento não deve ser desumano e predatório, quer em relação às pessoas ou ao meio ambiente, o qual teve vasta área de mangue devastada, e não recuperada, a não ser no palavrório. Em Tabatinga, por exemplo, se alegou para a retirada dos sitiantes, a tal compensação ambiental. Mas no seu lugar o que se ergue é uma grandiosa fábrica da PAMESA, que vem causando impacto de vizinhança aos moradores locais, inclusive quanto ao direito de passagem.
A rigor não se pode dizer que Suape tem a propriedade tranquila de todas as áreas rurais que ficam em seu entorno. Os engenhos que pertenciam à antiga Cooperativa de Tiriri não podia lhes ter sido vendidos, pois, por cláusula resolutiva, só poderiam se destinar ao assentamento dos agricultores que já eram deles ocupantes.
Porém, ultrapassada essa hipótese, há registro no INCRA onde se menciona que parte das glebas rurais não fora repassada para Suape. E se transferência houvera, não existe comprovação de pagamento pela aquisição da metade das terras, como informado pela Procuradoria Regional da referida autarquia federal.
É por essa razão, que numa reunião realizada em 12.09.2013, na Associação dos Moradores do Engenho Massangana, onde fica o coração de Suape, um representante legal do INCRA, Isaias Valeriano, afirmou que: “há um procedimento administrativo para delimitar a área da União, que após a delimitação, irá cadastrar os agricultores e moradores, para depois passar o título de posse aos cadastrados.”
Já em relação à truculência de Suape, ele disse que ia “comparecer no Complexo de Suape, no intuito de solicitar que os dirigentes de Suape deixem de exercer pressão psicológica, moral e agressões físicas aos moradores do Engenho Massangana e outras comunidades rurais.”
É bom lembrar que o Engenho Massangana foi onde Joaquim Nabuco viveu a sua infância e se inspirou para a causa abolicionista. Lamentavelmente os seus moradores e sitiantes de hoje vivem dias de incertezas quanto à permanência na posse da terra, sem contar com os constrangimentos acima relatados.
Na época, no capítulo “Massangana”, do seu livro “Minha Formação”, Nabuco disse: “A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil.” Se não no Brasil inteiro, pelo menos em parte e por essas bandas, tal espectro ainda ronda o destino de simples homens do campo.
Infelizmente, o que conta para Suape é o crescimento a qualquer custo, e não o desenvolvimento humano, a valorização da dignidade da pessoa. Afora as ocorrências do dia-a-dia contra os antigos sitiantes, que o digam os velhos moradores da Ilha de Tatuoca, engolida pelo Estaleiro Atlântico Sul, e o algo que restou, pelo o outro, o Promar.

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